Com mais de três décadas de atuação no setor elétrico, acumulando passagens por CESP, CPFL Energia e hoje no comando da Eletrobras, Wilson Ferreira Junior vivenciou diversas crises de energia. Entre elas, o racionamento de 2001 e o desarranjo do setor no fim de 2012, quando foi editada uma Medida Provisória forçando a redução no custo da tarifa de energia.

Agora, diante dos impactos do novo coronavírus, o executivo se mostra mais otimista. “Entendo que passado esse período, devemos voltar ao consumo normal”, explica. Embora o plano de privatização da estatal tenha ficado para o próximo ano, o investimentos da Eletrobras para este ano estão mantidos e o executivo acredita em uma retomada do consumo no segundo semestre.

Ele foi o nosso convidado para a live desta quarta-feira, quando conversou com David Panico, co-head de Investment Banking do Safra. Confira, abaixo, os principais pontos da conversa. E, no fim, acompanhe o bate-papo na íntegra.

Crise do coronavírus

De acordo com Wilson Ferreira Junior, “o maior desafio de uma companhia como a nossa, que tem 30% da geração e quase metade da transmissão de energia do país, é poder operar sem causar nenhum transtorno”. “A companhia está operando normalmente em todas as instalações, não tivemos nenhuma intercorrência em nenhuma delas até o momento”, afirma.

Atualmente, a estatal conta com 399 instalações, distribuídas entre usinas hidrelétricas, termeléticas, éolicas, solares, subestações, centros de operações e linhas de transmissão. O ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) classifica 269 delas como operações estratégicas.

Ao mesmo tempo em que as operações seguem atuando normalmente, mais da metade do quadro de funcionários está fora dos locais de trabalho. Dos 12.600 funcionários da companhia, mais de 8.000 deles estão em trabalho remoto ou em regime de férias ou compensação de horas.

Queda no consumo

A redução no volume de energia consumida se estabilizou em uma faixa de 18% a 20%, de acordo com o executivo. “Trabalho com a perspectiva de que o processo não se alongue muito mais que junho”, afirmou.

Segundo Ferreira Junior, o risco para o consumo não retornar em níveis plenos está na possibilidade de empresas fecharem durante a crise. No entanto, a expectativa é de que o consumo retorne para os níveis normais, ou melhor, para um novo normal ajustado pelo eventual fechamento de algumas empresas. “Teremos sem dúvida no segundo trimestre uma redução importante, mas temos a perspectiva da retomada no terceiro e quatro trimestre”.

Ao comentar sobre os impactos nas empresas, o executivo lembrou que o setor elétrico possui algumas diferenças entre os segmentos: na geração e transmissão de energia (que são os segmentos de atuação da Eletrobras), são operações intensivas em capital e com prazos mais alongados para pagamentos.

Já as distribuidoras de energia (operação que a Eletrobras concluiu a privatização no final de 2018) possuem contratos de longo prazo com as geradoras e transmissoras, sendo responsável por arrecadar e repassar os valores elas. Com a redução no consumo, um ponto de atenção é o fato de essas empresas distribuidoras não terem recursos suficientes para pagar a cadeia inteira. “O desafio é como irrigar isso”, afirma.

'Conta-covid'

Para o executivo, a solução para irrigar os recursos na cadeia elétrica será algo semelhante à crise envolvendo a reação à Medida Provisória 579, de 2012. Naquela época, devido a uma exposição involuntária, as distribuidoras tiveram acesso a uma conta especial com empréstimos para honrar os compromissos. Essa é a solução que está sendo debatida no momento.

“O governo foi muito rápido no sentido de dar o sinal da criação da chamada ‘conta-covid’, que vai permitir irrigar as distribuidoras com esse recurso que precisam para honrar a cadeia de geração e transmissão”, explicou. “Estamos bem encaminhados, acredito que nos próximos dias teremos o anúncio dessa medida de forma definitiva.”

O quanto desse recurso será repassado ao consumidor ainda será avaliado. O executivo complementa que, uma vez que houver o tratamento regulatório para esse evento extraordinário com a criação da conta-covid, “o setor está reestabelecido”. “Podemos ter, em função da nova perspectiva de volume de mercado futuro, uma redução nos volumes de leilões. Mas o que está contratado será entregue nos prazos”, afirma. Deste modo, uma vez solucionado esse tratamento regulatório, isso tira uma pressão negativa sobre o mercado.

Privatização em 2021

A expectativa para a aprovação do processo de privatização da Eletrobras no primeiro semestre deste ano já não está mais no radar do executivo, devido ao foco do Congresso para tratar as ações de combate ao novo coronavírus. No cenário otimista, o executivo prevê que a aprovação pode vir ao longo do segundo semestre.

Desse modo, uma vez aprovado no Congresso, o executivo explica que o tema está pautado no Ministério da Economia para o segundo trimestre de 2021, uma vez que são necessários um conjunto de procedimentos, incluindo a própria operação de capitalização.

Quanto ao modelo proposto de privatização, com uma operação de capitalização por meio de uma oferta subsequente de ações, pulverizando a participação do governo, Ferreira Junior acredita que o atual modelo é o melhor possível. “Ele é o que gera mais valor para a companhia”, afirma.

Segundo ele, também contam pontos a favor a praticidade para conduzir a capitalização, com a transparência do mercado, bem como pela perspectiva de melhora para a companhia com a troca dos contratos de cotas por contratos de produção independente de energia.

“A companhia vem caminhando muito positivamente na reestruturação, esse é um momento-chave para poder definir o futuro. Estamos trabalhando para esse futuro na criação de uma corporação eficiente, com governança corporativa de classe mundial, uma empresa focada na energia renovável e limpa”, diz.

Investimentos mantidos

A magnitude da crise tem impactado as empresas de diversos setores de modo distintos. Para a Eletrobras, o planejamento não mudou. “Continuamos com todos os investimentos que tínhamos aprovado no nosso PDNG (Plano Diretor de Negócios e Gestão), com R$ 5,3 bilhões neste ano.” Isso não significa que a crise não terá impactos na empresa.

Devido ao fato de o setor elétrico depender de aprovações do governo, como emissões de licenças, por exemplo, algumas questões regulatórias podem ser atrasadas, entre elas a licença para a linha de transmissão entre Manaus e Boa Vista, que é vista como de grande importância para o país, uma vez que irá integrar a última capital brasileira ao sistema e irá gerar uma redução no consumo de combustível, com consequente alívio na tarifa.

Veja na íntegra

Ferreira Junior ainda comentou sobre os aprendizados da crise, bem como seus impactos nas relações de trabalho, os impactos nos consumidores livres de energia, o impacto financeiro inadimplência nas distribuidoras e outros temas. Confira, em detalhes, abaixo.

Primeira parte:

Segunda parte: