O relatório de avaliação de receitas e despesas do 1º bimestre divulgado essa semana pelo Ministério da Economia confirma o bom desempenho da receita e um crescimento moderado das despesas.

A previsão do déficit primário (que não inclui o pagamento de juros) diminuiu em R$ 10 bilhões, passando de R$ 76,2 bilhões previstos na Lei Orçamentária Anual (LOA) aprovada no final de 2021 para R$ 66,9 bilhões.

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Essa melhora se deu apesar da previsão de crescimento do PIB de 2022 cair de 2,1% para 1,5% e dos efeitos previstos das reduções de tributos aprovadas recentemente, refletindo o impacto do aumento dos preços das commodities e da inflação brasileira na arrecadação federal, e um aumento moderado projetado das despesas.

As receitas federais continuam crescendo, apesar do baixo crescimento real do PIB em 2021, já incluindo o ligeiro aumento da atividade econômica no quarto trimestre.

No relatório bimestral, a reestimativa da receita total apontou alta de R$ 87,5 bilhões frente ao estimado na LOA de 2022. Na receita líquida, depois das transferências federais a estados e municípios, o aumento foi de R$ 42 bilhões.

A despesa total, por seu lado, cresceu em R$ 33 bi, permitindo que o déficit primário caísse em R$ 9,3 bilhões.

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A Receita Federal ainda não publicou os detalhes da arrecadação do primeiro bimestre de 2022, mas os indícios são de que o aumento da receita se deve em grande parte ao aumento do preço do petróleo e outras commodities, refletido nas receitas de royalties e indiretamente no Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e nos dividendos de empresas como a Petrobras.

As receitas com a exploração de recursos naturais aumentaram R$ 39 bilhões, enquanto o IRPJ aumentou em R$ 49 bilhões e a CSLL que o espelha em R$ 16 bilhões.

A receita do RGPS teve um aumento surpreendente de R$ 28 bilhões, o que permitiu compensar as perdas projetadas do PIS-Cofins e IPI e outros tributos, que somam R$ 75 bi.

A forte elevação na rubrica receitas com exploração de recursos naturais foi praticamente toda explicada pela reestimativa com arrecadação de royalties e participação especial de petróleo, que aumentou em R$ 37,2 bilhões por conta do aumento de 46% no preço do produto.

O valor de US$ 77,4/barril na LOA foi ajustado para US$ 103,4/barril. A variação de receita poderia ser ainda maior não fosse a apreciação do câmbio, cuja taxa média do ano foi revisada de R$/US$ 5,53 para R$/US$ 5,37.

Também contribuiu para a revisão geral da projeção de receita o recente pagamento de dividendos pela Petrobras, que foi particularmente grande, e o efeito do aumento do preço de petróleo na distribuição da empresa no futuro próximo.

Com isso, a rubrica de receita de dividendos e participações aumentou em R$ 12,9 bilhões. A alta na previsão do Imposto sobre a Renda reflete bons desempenhos corporativos passados, além do impacto do preço do petróleo e do aumento de juros nos rendimentos financeiros.

Nossa estimativa sugere que mais de R$ 30 bilhões dos R$ 48 bilhões da alta total do IR venham do setor de petróleo. O relatório bimestral também nota a importância do ajuste do IRPJ em janeiro de 2022, que cresceu 116,30% em relação a janeiro de 2021.

A alta geral do IR reflete ainda a revisão para cima do Imposto de Renda na Fonte-Ganhos de Capital, em parte pelo aumento dos ganhos com renda fixa na esteira do aumento da Selic.

O governo federal tem aproveitado a bonança proporcionada pelos lucros extraordinários de 2021 e pela alta do preço do petróleo e da inflação em geral para promover a redução de vários tributos.

A projeção da variação do IPCA em 2022 em relação a 2021 subiu de 4,7% para 6,6%, enquanto a do IGP subiu de 5,4% para 10,0%, dando algum impulso à previsão da arrecadação dos impostos.

Por outro lado, as recentes medidas de redução da carga tributária, como a redução média de 25% do IPI e a zeragem de PIS-Cofins sobre o diesel, o querosene de aviação, o GLP e o biodiesel devem gerar perdas em torno de R$ 38 bilhões.

A isso se soma o efeito da revisão do PIB para baixo, o que levou a perda de receitas nesses itens a ultrapassar R$ 70 bilhões, de acordo com o relatório.

Talvez a maior surpresa do relatório tenha sido a forte revisão para cima da receita da Previdência. Apesar do declínio da projeção do crescimento do PIB, as receitas projetadas do RGPS aumentaram em R$ 27,9 bilhões.

Esse aumento baseiase no desempenho acima do esperado para essa rubrica desde os dados disponíveis à época da preparação da LOA, isto é, nov-21 a fev-22 e pela revisão da massa salarial, cuja previsão de crescimento nominal passou de 12,6% na LOA para 15,4%.

A partir de dados da PNAD do IBGE, estimamos que nos últimos 3 meses a massa salarial habitual do segmento formal tenha crescido próximo de 2,0% em termos nominais, ajustados para a sazonalidade da série. Mantida essa taxa, isso seria próximo a um crescimento de 8,0% no ano.

Para o ano, projetamos crescimento nominal da massa salarial total (formal e informal) ao redor de 11%. Apesar da estabilidade geral do gasto, o governo continua pedindo autorização para novos créditos extraordinários.

Da alta total das despesas (R$ 32,7 bilhões) apontada no relatório, o grosso está relacionado à alta de despesas abertas por meio de créditos extraordinários (R$ 23,8 bilhões).

Créditos extraordinários obviamente são em excesso aos créditos autorizados pela LOA, ainda que a PEC dos Precatórios tenha autorizado que créditos extraordinários de R$ 15 bilhões, para compras de vacinas em 2021, sejam pagos em 2022 (sem impacto no teto do gasto).

Crédito para despesas não previstas ao tempo da LOA concentram-se principalmente em medidas para mitigar os prejuízos dos produtores rurais com a seca no Sul ocorrida no começo de 2022.

A rubrica de Subsídios, Subvenções e Proagro foi aumentada em R$ 5,1 bilhões, para cobrir os sinistros do Proagro decorrentes de secas e enchentes (R$ 2,9 bilhões) e o impacto da alta nas taxas de juros de mercado no custo do diferencial de juros financiado por esse programa.

À luz do relatório bimestral, assim como em função de alterações recentes em nossas projeções econômicas (principalmente inflação, câmbio, juros e preço do petróleo), revisamos nossas projeções fiscais para o resultado primário do governo central, que também apontaram melhora do saldo primário.

Nossa estimativa de déficit primário foi revisada de R$ 108,6 bilhões ou 1,2% do PIB (ver Safra Semanal de 21/jan) para um déficit de R$ 83 bilhões ou 0,9% do PIB.

Apesar da melhora, nossa projeção ainda assim é inferior à do governo, principalmente em função da perspectiva de um crescimento econômico menor (projetamos alta do PIB de 0,2% este ano).

A principal contribuição para a melhora de nossa projeção veio também da arrecadação, cujo incremento da receita líquida de R$ 44 bilhões foi superior à alta de R$ 18,3 bilhões nas despesas.

As principais premissas presentes na projeção continuam válidas, como a devolução de R$ 31 bilhões de receitas atípicas de IRPJ/CSLL observada em 2021 (mas que será mais do que compensada pela alta desses tributos associados ao petróleo); correção da tabela do IRPF (perda estimada da ordem de R$ 19 bilhões, mas com viés de ser menor em função da não aprovação dessa medida até agora) e pagamento de R$ 25,3 bilhões em bônus de outorga da capitalização da Eletrobrás.

Em resumo, o relatório de avaliação de receitas e despesas do 1º bimestre, assim como a revisão de nossa própria projeção, revela um quadro fiscal similar a um copo meio cheio, meio vazio neste início de 2022: se de um lado houve redução do déficit primário, puxado principalmente por receitas, por outro lado fica claro que essa ganho reflete situações pontuais, associados à alta de preços – principalmente do petróleo – além de aspectos contábeis específicos, como o desempenho do IRPJ, que carrega bons resultados do ano passado. A coexistência de desaceleração da atividade com aumento de receitas é algo atípico e não sustentável.