A economia brasileira vem de rápida recuperação dos impactos da Covid-19. É o que sugerem números como indicadores setoriais e dados sobre o retorno da população às compras, segundo aponta nossa equipe de Macroeconomia.

Partes da indústria, como a construção civil, apresentam ritmo até mais intensos do que antes da crise. A produção de insumos típicos da construção, por exemplo, em agosto ficou 2,6% acima do observado no mesmo período do ano anterior. No comércio, as vendas de materiais de construção e de móveis e eletrodomésticos também estão mais de 20% acima do observado em julho de 2019.

Segundo nosso time de Macroeconomia, esse movimento é impulsionado por transferências fiscais maciças e outras medidas de suporte monetárias, prudenciais e tributárias. Esse dinamismo, especialmente depois do relaxamento do distanciamento social, ainda não é bem capturado pelas estatísticas de ocupação do IBGE, mas há indícios de que a volta ao trabalho é significativa, podendo começar a ocorrer também entre os trabalhadores “informais”, isto é empregados sem carteira ou por contra própria.

Em relatório, nossos especialistas acreditam que a transição da economia para 2021 pode ocorrer de modo relativamente suave, influenciada por três fatores:

  1. A natureza da crise da Covid-19 é diferente daquela que ocorre na esteira de uma grande expansão da economia (como em 2008 nos países desenvolvidos ou em 2014 no Brasil), quando as empresas e famílias têm que reequilibrar suas contas. Nesses casos, especialmente quando o setor financeiro foi fragilizado, há um período de desalavancagem em que o crédito não responde, e a persistência de estímulos fiscais pode ser essencial para a economia não perder o fôlego.

    Na Covid, o maior obstáculo à normalização da economia é a persistência de um alto número de óbitos diários e as restrições impostas à economia para que esse número não aumente, saturando o sistema de saúde. Na medida em que o número de óbitos caia até o começo de 2021, o mercado de trabalho terá condições para voltar a funcionar bem melhor, com aceleração da recuperação do emprego e da renda do trabalho.

  2. O amplo uso de ferramentas monetárias e de crédito pelo Banco Central, dando fôlego às empresas provavelmente até pelo menos o meado de 2021. A combinação de menos estímulo fiscal e mais estímulo monetário deve ser mais favorável e efetiva no Brasil do que nas economias avançadas pelo menor espaço fiscal e ineditismo dos juros baixos aqui.

    A efetividade dos juros baixos também é aumentada pelo espaço para investimentos em obras e infraestrutura com recursos privados em vez de investimento público, como ilustrado pelo sucesso das recentes privatizações da companhia de saneamento em Alagoas e a de distribuição de energia elétrica em Brasília.

  3. A liquidez acumulada por famílias e empresas ao longo do ano, junto com os efeitos defasados do aumento da demanda e do consumo por conta dos estímulos em 2020, tenderá a sustentar a atividade econômica, desde que a confiança do investidor também seja mantida e não se esbarre em uma rigidez excessiva na oferta.

A projeção da equipe de Macroeconomia do Safra para o PIB de 2021 é de um crescimento de 4,5%, após a retração projetada de 5% para este ano.  

Risco fiscal

É importante notar que este cenário não é livre de riscos. Nossos especialistas pontuam que há receios de que esta dinâmica positiva se altere por outros três fatores: a erosão do poder de compra dos consumidores causada por aumentos de preços; o encerramento dos auxílios-emergenciais na virada do ano; e o risco fiscal da tentativa de prorrogar esses auxílios emergenciais ou instaurar um programa de transferência de renda ambicioso e permanente.

Ainda de acordo com nossa equipe de Macroeconomia, o fiscal parece ser o maior risco à continuidade da reativação da economia. Este risco vem se avolumando e se reflete no aumento dos juros da dívida pública, na retração do Ibovespa e na desvalorização do real frente ao dólar.

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A principal dúvida, segundo nossos especialistas, está na capacidade de o governo manter o teto de gastos, embora esta incerteza não seja, a rigor, necessária, ainda que exija escolhas difíceis.

O cumprimento do teto é possível em 2021, complementa nossa equipe de Macroeconomia, pois como indicado pelo PLOA 2021 (Projeto de Lei Orçamentária Anual), ele admite um crescimento global das despesas de 8,8% em relação às despesas de 2019. Assim, apesar de haver substancial queda em relação ao efetivamente gasto em 2020, há alguma folga em relação à tendência dos últimos anos.

Portanto, aproveitando a modulação das despesas de pessoal no setor público em 2021 pela suspensão de reajustes salariais, haverá mais um ano para se discutir o redesenho dos objetivos, tamanho e organização da ação governamental de forma a se conseguir uma trajetória do gasto com folha mais compatível com a estabilidade dos gastos públicos.

Esse pode ser o tempo necessário para os ministérios desenvolverem programas internos, votarem-se leis com ajustes específicos, além de uma eventual PEC com impacto direto nessas despesas.

Crescimento, teto de gastos e reformas

Para nosso time de Macroeconomia, a análise da atual dinâmica da economia sugere ser possível que a retomada da economia mantenha-se em 2021, preservando-se o teto de gastos e fruindo-se de várias reformas levadas a cabo nos últimos anos.

As reformas dos últimos anos talvez não tenham podido mostrar mais resultados devido à falta de demanda da economia, decorrente dos ajustes exigidos após os excessos de gastos da primeira metade da década passada e pela deterioração dos termos de troca do comércio exterior a partir de 2015.

Haverá, portanto, razões para supor que a maior flexibilidade trazida à economia brasileira pelas reformas, inclusive por meio da promoção da concorrência, permitirá que a oferta responda com maior agilidade ao fôlego de demanda conseguido com a injeção fiscal dos últimos meses e até final de 2020.

Evidentemente, a velocidade de recuperação da economia poderá diminuir depois que vários setores alcançarem os patamares de 2019 e o impulso fiscal for retirado. Mas mesmo ela deverá convergir para o crescimento tendencial ou potencial da economia, que poderá ser ainda aumentado por novas reformas que abram mais mercados à concorrência e ao investimento privado, e facilitem a absorção dos trabalhadores antes em setores que tenham sofrido alteração estrutural, até por razões tecnológicas.

Nosso time de Macroeconomia complementa que um ingrediente essencial para que todos esses elementos se combinem de forma favorável parece, no momento, ser a preservação da confiança dos agentes econômicos com respeito à capacidade do governo de aproveitar as boas condições da economia e identificar o melhor curso para proteger os mais vulneráveis e promover o aumento da renda desses e de toda a população através do aumento do emprego e da atividade econômica, preservando o atual regime fiscal.