Pressões inflacionárias continuam aumentando nos Estados Unidos, com restrições na cadeia produtiva e aumentos nos preços de commodities.

 A divulgação de pesquisas de sentimento empresarial (ISM) nos Estados Unidos na semana passada trouxe nova rodada de surpresas inflacionárias. Os índices de preços pagos na indústria subiram para patamar recorde e bem acima do registrado nos últimos meses.

As dificuldades em conseguir containers para transporte marítimo, com as restrições ao comércio global por causa da pandemia, têm levado a fortes altas do preço do transporte, tanto nos portos americanos quanto chineses.

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Além disso, a recuperação da economia chinesa e a abundante liquidez global têm impulsionado os preços de commodities, especialmente as metálicas, insumos para o setor industrial.

Porém, na semana passada o destaque foi a aceleração no índice de preços no setor de serviços, também atingindo nível comparável ao período pré-2008.

Utilizando esses indicadores para projetar a inflação ao consumidor, medida pelo PCE, encontramos uma variação de 3,1% nos próximos meses, dado que as pesquisas antecipam em até 4 meses os dados efetivos da inflação. Ou seja, há pressões de inflação na cadeia produtiva que vão além dos efeitos-base decorrentes do início da pandemia em março de 2020.

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Quanto dessas pressões são duradouras?

O que uma análise mais estrutural aponta para a inflação? Apesar do forte crescimento da economia esperado para esse ano, o presidente do Federal Reserve, o banco central americano, Jerome Powell, tem afirmado que as pressões inflacionárias no curto prazo são transitórias.

Uma maneira de analisar essa perspectiva é estimar a inflação como função do hiato de produto, ou seja, como função da diferença entre o PIB efetivo e o potencial.

Para isso, utilizamos as estimativas do Congressional Budget Office (CBO) para o PIB potencial americano, e três projeções para o crescimento do PIB de 2021 em diante:

  • do próprio CBO (PIB 2021: 4,3%);
  • a mediana das projeções da Bloomberg, que aponta expansão de 5% do PIB em 2021;
  • uma estimativa de expansão de 6% do PIB em 2021, cenário que tem ganhado força com a possibilidade de aprovação do pacote fiscal próximo de US$1,9 trilhão.

Com isso, o hiato de produto poderia fechar somente em 2024 no cenário do CBO, ou ainda em 2021, nos cenários alternativos (3º ou 4º trimestres).

Simulando o núcleo de inflação, medido pelo CPI, para os próximos anos, com essas projeções de hiato, encontramos trajetórias diferentes:

  • Com as estimativas do CBO, o núcleo de inflação oscila próximo de 2%, abaixo do objetivo do Fed de 2,5%.
  • Já a aceleração da inflação é mais rápida nos cenários alternativos, indo para patamares entre 2,35% e 2,5%, em linha com o objetivo do Fed.

Em suma, o Fed está correto em afirmar que uma inflação ao redor de 3% não parece sustentável.

Mas uma recuperação forte e rápida da economia americana poderia levar o banco central a alcançar sua meta de inflação no final de 2022, corroborando nossa estimativa de que o a taxa de juros deverá começar a subir em 2023, provavelmente no 1º semestre.

Esse aumento seria precedido pela redução do ritmo de compras de ativos já em 2022.

China: A grande moderação?

As novas metas econômicas da China poderão atenuar a inflação global.

O bom desempenho da China ao longo de 2020 e as pressões inflacionárias que ele tem suscitado continuam afetando os preços globais.

Essas pressões têm se refletido, por exemplo, na alta dos preços dos insumos industriais exportados, que atingiram patamares recorde. Porém, as políticas econômicas anunciadas no recente Congresso Nacional Chinês trouxeram novidades, com reflexos nas políticas monetária, creditícia e fiscal.

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A principal novidade foi a meta de crescimento do PIB projetada “acima de 6%” em 2021, próxima ao ritmo pré-pandemia. Essa meta pode ser alcançada com pequeno aumento da atividade econômica em relação ao nível já observado no final de 2020 (o carry-over do PIB para 2021 é de 4,5%).

A meta de déficit fiscal sofreu um pequeno aperto, sendo definida em 3,2%, ante 3,6% em 2020, e a política de crédito antecipou a permissão de emissões de dívida, porém menos do que no ano passado, indicando menor liquidez ao longo de 2021.

De seu lado, o crescimento de M2 e do agregado de financiamento da economia (TSF) estará em linha com crescimento nominal do PIB (9%), bem abaixo do crescimento de 13% em 2020.

 Assim, a sinalização é de uma retirada suave e gradual dos estímulos, compatível com uma meta de crescimento relativamente modesta e um crescimento moderado no 2º semestre de 2021, que deve auxiliar a diminuir os aumentos de preço.

Em resumo, as pressões inflacionárias têm crescido nos últimos meses, mas não indicam desequilíbrios sérios.

O desarranjo nas cadeias de produção e os estímulos fiscal e monetário são fatores que contribuem para a inflação. O avanço na vacinação e a reabertura das economias e a retomada do consumo, especialmente de serviços, daí decorrente e auxiliada pela poupança acumulada nos últimos meses, também contribuem para esse movimento. Mas há fatores moderadores.

Os próximos meses trarão mais clareza sobre quais fatores serão mais relevantes, mas, enquanto isso, continuaremos monitorando com especial detalhe o mercado de trabalho americano e os efeitos das diretrizes econômicas da China.