O otimismo com o desempenho da economia brasileira em 2021 continua aumentando, apesar do espectro de uma eventual crise energética ter se tornado mais concreto.

As condições para que o PIB apresente crescimento em torno de 4% em relação a 2020 parecem já realizadas, dado o nível de atividade econômica verificado no primeiro trimestre e alguns indicadores do segundo trimestre.

Os riscos considerados para a segunda metade do ano, no entanto, limitam a possibilidades visíveis hoje para um crescimento muito acima do valor que estimamos atualmente.

Queda menos aguda

A queda da atividade foi bem mais branda do que havíamos estimado para março, o que aumentou nossa projeção de expansão do PIB real do primeiro trimestre para 0,7% em relação ao quarto trimestre do ano passado, com ajuste sazonal.

Apesar de já previsto de que a economia se adaptaria melhor ao choque da segunda onda de Covid-19, a adaptação foi ainda maior e a atividade recuou apenas 1,6% segundo o IBC-Br em março e deve ter apresentado relativa estabilidade em abril.

Nossa expectativa para o segundo trimestre também melhorou. A recuperação da atividade em maio tem sido muito
significativa, ainda que o ímpeto observado por volta do Dia das Mães tenha se arrefecido.

Com isso, alteramos nossa estimativa para uma redução do PIB real de apenas 0,1% no segundo trimestre em relação ao primeiro trimestre e crescimento de 11,0% em relação ao mesmo trimestre de 2020.

Desafio energético

Olhando para o segundo semestre, além da redução do poder de compra e a necessidade de despoupança pelas famílias, tem surgido o risco de problemas de suprimento de energia elétrica durante o período de seca e talvez além.

As chuvas no início deste ano foram extremamente baixas (a pior crise hidrológica em 91 anos, segundo Ministério de Minas e Energia), o que se traduziu em reservatórios muito baixos ao final da estação chuvosa em março nas regiões Sudeste e Centro-Oeste.

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Além disso, verificou-se que a inflexibilidade hídrica, isto é, a necessidade de manter o fluxo dos rios em situações de baixa afluência nas nascentes era maior do que as autoridades haviam estimado. Em outras palavras, o órgão responsável por determinar a geração de cada hidroelétrica, o Operador Nacional do Sistema (ONS) descobriu que havia várias barragens em que a vazão não podia ser diminuída, por conta dos múltiplos usos da água.

Esses usos têm a ver tipicamente com irrigação, navegação ou a proteção ambiental. Apenas em 28 de maio, o governo declarou a situação de emergência hídrica, o que permitirá reduzir de forma mais efetiva essas vazões para tentar estabilizar o nível dos reservatórios da região.

A importância de se preservar os reservatórios no Sudeste e Centro-Oeste decorre do fato de que a geração hidroelétrica do Norte é extremamente sazonal, pois as chuvas escasseiam no meio do ano e as usinas da região não têm reservatórios em função do baixíssimo desnível dos cursos de água naquela região.

Enquanto até o segundo trimestre o Norte consegue gerar mais de 12GW médios, essa produção cai para menos de 5GW no meio do ano, e essa diferença não pode ser suprida apenas pelas térmicas e alternativas, quando a geração no Sudeste e Centro-Oeste também é muito prejudicada pela falta de água nos reservatórios.

Com o novo arranjo, que deve permitir dispor de água no Sudeste e Centro-Oeste no 3º trimestre, as fontes térmicas, eólicas, solares, e biomassas provavelmente serão capazes de atender a demanda nacional.

O maior risco nesse cenário seria de picos de carga ao longo do dia não poderem ser respondidos, o que geraria instabilidades e quedas no sistema. Para evitar isso, pode ser importante complementar as ações de gestão da oferta de energia com um esforço de diminuição da demanda industrial e residencial nos próximos meses, uma opção que o governo já vem considerando, quer por estímulo à redução do consumo, quer mediante algum tipo de racionamento.

Uso da poupança

Não havendo uma restrição muito forte da oferta de energia elétrica, a queda da massa salarial real e as limitações à expansão do crédito poderão ser compensadas, ao menos parcialmente, pela aceleração do uso da poupança acumulada no ano passado. Essa pode ser a estratégia de sustentação do consumo das famílias e atividade das empresas.

Já é possível ver uma diminuição da liquidez disponível pelo setor privado, com redução do M2 e do estoque da caderneta de poupança. Essa redução da poupança pode estar sendo usada para o financiamento de consumo das famílias.

Como estimamos que a poupança líquida das famílias aumentou em R$ 560 bilhões no ano passado, contra uma média de R$ 160 bilhões nos últimos 4 anos, é razoável supor que a poupança nesse ano seja não só muito menor do que o normal, mas até mesmo negativa.

Estimamos que se houver uma poupança negativa (despoupança) de R$ 50 bilhões em 2021, o consumo poderá crescer 3,8% em relação a 2020, sustentando um crescimento do PIB de 4%. Essa projeção, evidentemente, é cercada de incerteza, visto se basear em hipóteses comportamentais em uma situação sem precedentes.

Nova projeção para o PIB

Em suma, estamos elevando nossa estimativa para o PIB do Brasil em 2021 de 3,4% para 3,9%, de volta para os níveis que havíamos projetado no começo do ano. Com isso, o nível de atividade voltará para o mesmo patamar de 2019 ainda no meio deste ano, com o PIB no 4º trimestre de 2021 0,4% acima do último trimestre de 2020.

Por outro lado, a redução do poder de compra, o alto endividamento das famílias e o desafio energético sustentam nossa expectativa de desempenho moderado no segundo semestre, que deve se traduzir em crescimento de apenas 1,8% em 2022.

Vale dizer que o otimismo que temos visto no mercado também tem sido motivado pela reavaliação da situação fiscal, vista com exacerbabda preocupação até recentemente. Parte substancial do bom desempenho fiscal tem a ver com o aumento das receitas tributárias, muito impulsionadas pela atividade industrial e pelo aumento dos preços, que servem de base para os impostos indiretos, como PIS-Cofins.

O aumento de preços também ajuda a aumentar o PIB nominal, ainda que não contribua para o PIB real. O deflator do PIB deve ficar próximo a 8% em 2021, permitindo que o PIB nominal cresça perto de 12%.

Com isso, e a capacidade do Tesouro Nacional se financiar a taxas mais baixas, a relação dívida/PIB deve continuar caindo, devendo fechar o ano próximo a 85%.

Ainda que esses números se dêem por 'maus' motivos e tenham um efeito talvez passageiro, eles têm sido motivo de certa celebração pelos mercados, influenciando possivelmente o câmbio.

Forte arrecadação de impostos

A arrecadação de abril de 2021 mostrou-se forte não só em relação a abril de 2020, mas também em relação a anos anteriores, inclusive 2014. Deflacionando as receitas pelo IPCA, verifica-se que a arrecadação total foi 4% maior do que em abril de 2019, antes da pandemia.

Um destaque de arrecadação tem a ver com a importação, tanto por conta do imposto de importação (+32% em relação a 2019), quanto do IPI (+38%), puxado pelo IPI importação, como indicado pela Receita Federal.

Também merece menção a força do IR retido na fonte associado ao rendimento do trabalho. Evidentemente há flutuações sazonais nesse caso, mas ainda assim verifica-se um aumento de 6% em relação a 2019 e valores surpreendentemente altos para anos anteriores.

A queda do IRPF deve-se à postergação da data de apresentação da declaração de ajuste anual que em 2021 será em 31 de maio.

O IRPJ e CSLL também tiveram desempenho muito forte, associado a eventos específicos, mas também refletindo a alta geração de lucro das empresas brasileiras na esteira do auxílio emergencial pago pelo governo em 2020.

A Cofins e o PIS também mostraram um crescimento em relação a 2019, em função do protagonismo da produção industrial e consumo de bens, em detrimento dos serviços. Bens tendem a pagar mais impostos indiretos que os serviços e sofreram aumentos de preços mais expressivos que os últimos.

Finalmente, nas receitas não administradas pela Receita Federal, os destaques são os royalties de petróleo e os dividendos da Petrobras, aumentados pelo câmbio, aumento de produção e preço internacional do petróleo.

Em conclusão, o desempenho recente da arrecadação tem sido vigoroso, o que associado a limitação do gasto, até abril, à regra do duodécimo da despesa do ano anterior, permitiu um resultado primário muito expressivo.

Quando houver maiores gastos, inclusive por fora do Teto do Gasto (EC 95) nos próximos meses, e uma acomodação da economia que resulte em uma receita um pouco menos vibrante, os resultados podem diminuir um pouco.

Ainda assim, esperamos um resultado primário para o governo central em 2021 próximo a déficit de R$ 200 bilhões, ou seja, bem melhor do que o déficit previsto pelo governo em março, de R$ 227 bilhões.