Apesar dos indicadores de atividade positivos recentemente divulgados e referentes principalmente a janeiro e fevereiro últimos, o dinamismo da economia se alterou em março, a começar pela mobilidade das pessoas, que caiu.

A persistência da pandemia tem prejudicando a esperada recuperação da ocupação, especialmente no setor informal, diminuindo o poder de compra de parcela da população, para o que também contribuiu a inflação acima do esperado.

O enfrentamento desse quadro, apesar do impulso remanescente do ano passado, tem seus desafios. Ao contrário de 2020, quando o governo injetou grande volume de recursos na economia (equivalente a quase 10% do PIB), o espaço fiscal é atualmente bastante limitado.

O gasto associado ao enfrentamento da Covid-19 em 2021 está limitado a 1,5% do PIB (grosso modo, os R$ 100 bilhões fora do teto no Orçamento de 2021). A política monetária tampouco tem muito espaço, até pela mudança das condições externas e a necessidade de frear algumas das repercussões nos preços da retomada muito rápida da economia em 2020 na esteira das intervenções do governo à época.

Assim, a retomada da atividade após a contração de março para cá será menos fácil do que no ano passado, apontando para um segundo semestre de 2021 em que a atividade econômica provavelmente crescerá lentamente.

Além da restrição da renda do trabalho, também impactada pela inflação, as famílias terão menos capacidade de se endividar. O crescimento do endividamento ao longo de 2020 deu fôlego às famílias, mas não deixa muita margem extra, especialmente em um momento de alta da taxa Selic, que indexa esse tipo de crédito.

Isso significa que o crescimento do consumo está cada vez mais dependente da diminuição do estoque de poupança acumulado no ano passado. O Banco Central alertou que parte dessa poupança foi circunstancial, isto é, da falta de oportunidade de gastar, o que sugere espaço para maior demanda por serviços quando restaurantes e hotéis abrirem e viagens se tornarem seguras.

Mas parte daquela poupança foi precaucional, e só será gasta quando a confiança do consumidor se recuperar, o que depende do quadro da saúde pública, e do mercado de trabalho, entre outros fatores. Considerando os dois casos, prevemos um breve surto de demanda por alguns segmentos do setor de serviços no terceiro trimestre, mas um aumento bastante gradual do consumo das famílias como um todo, com recuperação total do nível de consumo pré-pandemia apenas em 2022.

Revisamos então nossa projeção de crescimento do PIB em 2021 de 3,2% para 3,0%, com desdobramentos para o PIB em 2022. As prováveis dificuldades da retomada no segundo semestre podem se estender sobre os primeiros meses de 2022, levando a um crescimento de apenas 1,8% no ano, contra os 2,2% que estimávamos anteriormente.

pib safra 21 _1_.pngAssinale-se que, apesar de desapontador, esse crescimento não é desastroso e poderá ser um pouco maior se a incerteza sobre a condução da política econômica não for exacerbada, inclusive por maiores gastos públicos. Esse cenário se traduz no curto prazo como uma alta de 0,3% do PIB no primeiro trimestre de 2021 relativo ao último de 2020, seguida por contração de 0,7% no segundo trimestre.

Com a estabilização do quadro da saúde pública, projeta-se uma alta de 0,6% para o terceiro trimestre, seguida por outra alta de 0,6% no quatro trimestre e uma média de crescimento trimestral de 0,4% em 2022.

Os bons resultados das contas externas, por sua vez, não se traduzem necessariamente em uma contribuição significativa para o crescimento do PIB, por eles se deverem principalmente a uma disparada de preços. Com isso, e o aumento projetado das importações por conta da tendência de normalização da economia, a contribuição do setor externo para o crescimento do PIB deve ser pequena. Por outro lado, ela é significativa para os fluxos comerciais e possivelmente financeiros, com prováveis implicações favoráveis para o câmbio nos próximos meses.

Em paralelo aos sinais positivos no comércio externo, a resolução do impasse do Orçamento deu-se dentro do esperado, enquanto as receitas do governo federal têm surpreendido positivamente. A arrecadação de R$ 137,9 bilhões em março superou as expectativas do mercado, refletindo o nível de atividade forte em fevereiro.

A demora em aprovar o Orçamento de 2021 significou despesas menores até agora, contribuindo para um déficit primário de R$ 167,1 bilhões até fevereiro, apenas R$ 10,2 bilhões acima do observado nos meses pré-pandemia de 2020.

O impacto da desaceleração da economia sobre as receitas tributárias no resto de 2021 será amortecido pela inflação, que tende a aumentar essas receitas (em alguns casos até proporcionalmente aos preços no atacado, que subiram bem mais do que os ao consumidor).

Com isso, apesar dos gastos de R$ 125 bilhões por fora do teto de gastos, o déficit primário deve ficar entre 3% e 3,5% do PIB em 2021, ou seja, bem menor do que os quase 10% do PIB verificados em 2020.

Já a trajetória de inflação deverá ser em grande parte cadente nos próximos 20 meses. Apesar de um possível impacto da abertura da economia nos preços dos serviços na segunda metade de 2021, a inflação deve ser abrandada pela combinação da desaceleração da economia como um todo com a possível contribuição do bom desempenho do setor externo para a estabilização ou pequena apreciação do câmbio.

Assim, mantemos nossa projeção 4,9% para a inflação de 2021, com convergência da inflação de 2022 para a meta do Banco Central de 3,5%.

Nesse cenário relativamente benigno para a inflação, consideramos que o Banco Central poderá aproveitar a reunião de junho para calibrar eventuais altas da Selic no segundo semestre. Salvo surpresas, o BCB deverá aumentar a Selic em 0,75% em maio, como ele tem sinalizado. Nas reuniões subsequentes, esperamos que o Banco Central reduza o passo do ajuste monetário, e realize até três elevações de 50 p.b., o que levaria a Selic a 5,0%.