A semana passada foi marcada pela discussão sobre a dificuldade de expansão do gasto público, com o mercado acompanhando atentamente a decisão do Congresso com relação à manutenção ou não de um veto presidencial à possibilidade de se conceder reajustes salariais a uma parcela dos servidores públicos em 2021.

A apreensão se dá por conta da ausência de espaço para aumento do gasto público dentro da regra do teto de gastos, como já discutimos aqui muitas vezes. E, embora esse veto em particular tenha sido mantido, nossa equipe de Macroeconomia aponta que ainda existem inúmeras incertezas sobre a capacidade de o governo voltar a cumprir a regra do teto em 2021, após ter sido liberado de cumpri-lo em 2020 por conta da pandemia.

As despesas primárias do governo federal são decompostas entre obrigatórias e discricionárias. As despesas obrigatórias se referem a compromissos estabelecidos na legislação: direitos individuais (previdência, assistência social, seguro desemprego, etc.) mínimos constitucionais e vinculações e salários de servidores, por exemplo. As despesas discricionárias são aquelas sobre cujo montante o governo tem algum grau de decisão.

Uma realidade para o governo federal é que devido à continuidade de crescimento das despesas primárias obrigatórias, as despesas discricionárias são o único instrumento que os gestores da política econômica têm para tentar controlar as despesas e cumprir a regra de teto de gastos – veja mais sobre este tema aqui.

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Em função desse cenário, é importante tentar entender qual o limite para o governo federal continuar comprimindo as despesas discricionárias e lembrando que o fato de uma despesa ser discricionária, não quer dizer que ela seja irrelevante. Nessa rubrica existem investimentos, programas públicos e custeio do governo, sem o qual ele não consegue funcionar. Elas já alcançaram o mesmo valor real de 2010. Ainda, segundo cálculos do Instituto Fiscal Independente do Senado (IFI), o valor mínimo para funcionamento da máquina pública em 2021 é R$ 89,9 bilhões.

Desafios para 2021

Apesar da forte redução dos gastos discricionários nos últimos anos por conta da necessidade de ajuste fiscal em um cenário de crescimento elevado dos gastos obrigatórios, nossa equipe de Macroeconomia avalia que o teto de gastos em 2021 é exequível se não forem criadas novas despesas. Isso significa que os programas de transferência de renda e manutenção do emprego que foram criados esse ano para amenizar os efeitos da pandemia sobre a economia devem terminar em dezembro de 2020, quando chega ao fim o estado de calamidade.

Entretanto, a intenção de tornar parcela dos benefícios criados esse ano gasto permanente traz um enorme desafio, pois não há folga no orçamento dentro do teto dos gastos. O governo tem a intenção de criar um novo programa social, chamado Renda Brasil, com base do reagrupamento de programas já existentes. Contudo, a vontade de ampliar o universo de beneficiários para além das famílias hoje contempladas pelo Bolsa Família pode acabar sendo limitada pela questão orçamentária.

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A equipe econômica do governo ainda estuda possíveis alternativas, mas entre os programas candidatos à reformulação estão o próprio Bolsa Família, além do Abono Salarial e o seguro-defeso. Sem entrar na discussão sobre o desafio político para aprovar o fim desses dois últimos programas, nossos especialistas consideraram os valores gastos com esses benefícios e procuraram verificar qual universo de beneficiários e ticket recebido que caberiam dentro do orçamento, sem assim pressionar para o estouro do teto de gastos.

Em 2019, o orçamento do Bolsa Família, Abono Salarial e seguro-defeso foi de R$ 53,4 bilhões. Considerando que este ano o abono (atrelado ao salário mínimo) deve ter orçamento de R$ 19,5 bilhões, a estimativa é de que neste ano o gasto com esses três programas teria sido (caso o Bolsa Família não tivesse sido substituído pelo Auxílio Emergencial) de R$ 56,5 bilhões.

Levando em conta que o número de beneficiários do Bolsa Família aproxima-se de 14 milhões de famílias e o benefício médio é próximo a R$ 191, a criação de um benefício de R$ 200 com o orçamento dos três programas mencionados poderia atender 21,7 milhões de famílias (considerando o pagamento de 13 parcelas no ano), 7,7 milhões de famílias a mais. Segundo nossa equipe de Macroeconomia, qualquer intenção de agraciar um universo maior de famílias vai exigir a realocação de outros gastos existentes para que o teto não seja rompido, o que será um grande desafio.

Contudo, um desafio adicional se coloca em 2021, pois mesmo que o Congresso aprove o fim do Abono Salarial, isso somente passaria a valer para 2022. Assim, no ano que vem o pagamento de um benefício de R$ 200 com o orçamento adicional só do seguro-defeso permitiria atender apenas 385 mil de família além dos beneficiários do Bolsa Família.

Ainda segundo nossa equipe de Macroeconomia, alguns benefícios que são avaliados como menos focalizados poderiam ser alternativas, mas o de maior orçamento entre eles, o BPC enfrentaria enorme dificuldade de aceitação no Congresso.

Rediscutindo o gasto público

Existe ainda a discussão em torno da aprovação de emendas constitucionais que permitirão acionar gatilhos para conter o crescimento do gasto obrigatório quando as metas fiscais não forem atendidas. Embora bastante importantes para ajudar no cumprimento do teto nos próximos dois anos, nosso time de Macroeconomia acredita que esses gatilhos também não seriam a solução para a ampliação dos benefícios sociais, pois esses gastos seriam recorrentes e a economia gerada pelos gatilhos apenas extraordinária.

Dessa maneira, o desafio será rediscutir de maneira ainda mais abrangente a estrutura do gasto público para conseguir atender a demanda por expansão do programa social. A equipe econômica do governo argumenta que a ideia é fazer com que o Renda Brasil não seja apenas um programa de transferência de renda, mas também ter uma ligação com o mercado de trabalho, incentivando a participação dos beneficiários no mercado de trabalho sem a "punição" da retirada integral do benefício. Contudo, esse desenho ainda não está definido.

Nesta semana o governo deve apresentar a proposta para o Renda Brasil e a Carteira Verde Amarela, que deve justamente tentar ligar o programa de transferência de renda à mobilidade no mercado de trabalho. Além disso, o governo pode apresentar o texto da PEC que deve juntar em uma única proposta as ideias antes apresentadas na PEC do Pacto Federativo e na PEC Emergencial e assim criar os gatilhos que serão disparados para conter o crescimento do gasto obrigatório.