Na semana passada, foram divulgados os resultados fiscais de junho. Os dados, bastante influenciados pelos efeitos da pandemia, vieram bem negativos e já sinalizam o que esperar para o ano. As característica da crise da Covid-19 tornaram inevitáveis a deterioração excepcional das contas públicas, situação enfrentada não só pelo Brasil, como pela grande parte dos países.

Contudo, a equipe de Macroeconomia do Safra destaca que as atenções agora recaem sobre 2021. Isso porque vêm sendo levantados questionamentos quanto ao cumprimento ou não do teto de gastos, à possibilidade de aumento da carga tributária, à velocidade de recuperação econômica e seus impactos no resultado primário, e às consequências de todos esses pontos para a dinâmica da dívida pública.

Nossos especialistas lembram ainda que países emergentes que já enfrentavam a necessidade de ajuste fiscal antes da pandemia, como o Brasil, têm espaço reduzido para permanecer no modo estimulativo por muito tempo.

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Com informações sobre os dois indexadores mais importantes para os dois maiores gastos obrigatórios, Previdência e pessoal, nosso time projeta que as despesas obrigatórias devem se elevar 3,7% em 2021, deixando pouco espaço para o crescimento das despesas discricionárias (sem considerar as discricionárias com controle de fluxo) que ficariam próximas de R$ 110 bilhões.

Esses gastos caíram muito nos últimos anos e estão no mesmo nível real de 2010. Em estudo recente, o Instituto Fiscal Independente do Senado (IFI) mostrou ser necessário orçamento das discricionárias de R$ 89 bilhões para manutenção da máquina pública. Logo, para cumprir o teto no próximo ano, o governo deverá manter os gastos com investimento muito reduzidos, além de não poder criar outros gastos ou aumentar recursos ministeriais ou parlamentares.

Dito isso, embora possível, o cumprimento do teto de gastos em 2021 exigirá grande esforço do Executivo, dentro de um ambiente em que as pressões para flexibilização da regra estão cada vez maiores por conta da grave crise econômica. O governo tem enfrentado pressão política, legítima, para elevação de gastos discricionário, principalmente com investimento.

Adicionalmente, existe muita incerteza quanto à política de gastos sociais. Ganha corpo a discussão sobre a possibilidade de ampliação dos benefícios sociais e o desejo por parte do próprio governo de redesenhar o conjunto de programas de transferências de renda, ampliando o Bolsa Família e tornando o programa mais abrangente. Mas, a depender do desenho desse novo benefício, o impacto sobre o crescimento do gasto pode ser significativo, assinalam nossos especialistas.

Além disso, existe a possibilidade da apresentação de projetos que afetem a capacidade de arrecadação, impactando a expectativa de resultado primário e consequentemente a trajetória da dívida. Por exemplo, a intenção de desoneração da folha de pagamento.

Assim, a equipe de Macroeconomia do Safra enxerga uma série de riscos ao cenário de retorno à trajetória de ajuste fiscal já em 2021. Embora possível, o cumprimento do teto de gastos nos próximos anos tem se tornado cada vez mais desafiador.

Para o cumprimento da regra até 2026, será essencial fazer reformas que permitam a flexibilização ou queda das despesas obrigatórias. Estas, além de já estarem bastante elevadas (representam mais de 90% dos gastos), a expectativa é que com as regras atuais continuem crescendo, exigindo que as despesas discricionária caíam demasiadamente para que o gasto como um todo respeite o teto.

Cenários para dívida

Listadas hipóteses e riscos, nossos especialistas elaboraram três cenários de trajetória da dívida bruta do governo geral para próxima década.

  1. O primeiro assume o cumprimento do teto de gastos até 2026 e a partir daí ele cresceria na mesma proporção do PIB, o custo médio implícito da dívida no período é de 5,0% e a carga tributária crescendo na mesma taxa que o PIB;
     
  2. Um segundo em que o teto é descumprido dada falta de reformas nas despesas obrigatórias e a impossibilidade de cortar as despesas discricionárias abaixo do mínimo exigido para o funcionamento da máquina pública. Além do impacto direto sobre o resultado primário, a dívida também seria afetada via elevação do seu custo, que passaria de 5,0% para 7,0%, respondendo à piora da percepção de risco;
     
  3. E por último, um cenário intermediário, em que, apesar de não cumprir o teto, a carga tributária se elevaria 0,7 p.p. do PIB (diferença entre o nível médio de 2012-2014 e o nível médio de 2018-2020), o custo da dívida para 6,0% ao ano.

No primeiro cenário, de cumprimento do teto de gastos, a dívida pública se estabiliza em torno de 95% do PIB e só inicia trajetória de queda a partir de 2025. Por sua vez, os outros dois cenários mostram que o não cumprimento, mesmo com alguma elevação da carga tributária, leva a dívida a uma trajetória de ascendente.

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No pior cenário, em que os gastos com Previdência crescem com a inflação e o PIB, e os servidores passam a ter reajuste nominal de salário a partir de 2022, e com custo implícito 2 pontos porcentuais maior, a dívida entra em trajetória explosiva, alcançando 150% do PIB em 2030.

Como esse exercício consiste em um estudo e não projeção, não alteramos o PIB e a inflação dos diferentes cenários, sendo mantidos em 2,5% e 3,0% em média por ano, respectivamente. Mas esses também seriam diferentes e alterariam os números.

Assim, nossa equipe reforça a necessidade de retornarmos as discussões sobre as reformas estruturais que conterão o crescimento do gasto obrigatório como caminho para a redução da percepção de risco com relação à economia brasileira e permanência do cenário de juros baixos.

Entretanto, os riscos de adiarmos o retorno a esse caminho têm se avolumado e a evolução desse cenário deverá ser acompanhada para avaliar a necessidade de ajustes na percepção de médio e longo prazo da economia.