Um dos principais debates econômicos do momento diz respeito ao Teto de Gastos. Ele é visto como uma das peças centrais na agenda de ajuste fiscal do governo, uma vez que mantém um ritmo controlado para o crescimento das despesas públicas.

Nas últimas semanas, temos observado discussões sobre o cumprimento ou não desta regra para os próximos anos. Neste contexto, preparamos este conteúdo especial para explicar o que é o teto de gastos e qual a sua importância para a economia. Confira:

Controle da dívida

Criado no final de 2016, o Teto de Gastos foi instituído por meio da Emenda Constitucional de nº 95, que ficou mais conhecida como a PEC do Teto. Seu objetivo principal é manter o crescimento das despesas do governo em linha com o avanço da inflação, de modo a controlar o avanço da dívida pública federal. Suas principais regras são:

  • Governo pode ampliar os gastos do Orçamento de acordo com o IPCA acumulado em 12 meses, considerando a leitura do índice de junho de cada ano;
  • Regra permanecerá em vigência por 20 anos, a contar a partir de 2017. Ela pode ser revista em 2027.

Segundo dados divulgados pelo Banco Central, a dívida bruta do governo geral representa 85,5% do PIB, conforme números de junho de 2020. Após alguns anos de relativa estabilidade, a trajetória da dívida voltou a ganhar força a partir de 2014, quando marcava cerca de 50% do PIB. Nos últimos anos, portanto, observamos um crescimento expressivo da dívida pública, o que acendeu o sinal de alerta.   

Isso acontece porque, ao longo deste período, as contas públicas vêm sistematicamente registrando déficit primário – ou seja, os gastos do governo superam a arrecadação –, o que se traduz em emissão de novas dívidas.

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Todo esse cenário tornou o ambiente fértil para a aprovação de uma medida que controlasse a situação. Na época, foram cogitadas outras alternativas, sendo as principais o aumento da carga tributária – medida considerada impopular e ineficiente a longo prazo, dado o atual patamar já elevado da carga tributária – e o corte de gastos, que, segundo foi avaliado, seria insuficiente para cobrir todo o problema.

A proposta considerada mais eficiente foi a que previa o estabelecimento de um Teto de Gastos, surgindo assim a PEC do Teto.

Os efeitos da PEC do Teto

O texto do Teto de Gastos estabelece algumas regras específicas. As despesas com saúde e educação, por exemplo, devem crescer pelo menos o equivalente à inflação, mas pode superar essa taxa, desde que ocorram cortes em outras áreas.

O reajuste do salário mínimo, fonte de grande discussão na elaboração do texto, também mudou sua regra e não pode mais ser reajustado acima da inflação..

Uma vez que foi aprovado, os órgãos públicos que não respeitarem o teto ficam sujeitos a algumas punições, como:

  • proibição de reajustar salários dos servidores;
  • proibição de receber incentivos, benefícios ou subsídios;
  • proibição de realizar contratações ou concursos públicos.

Como o Teto de Gastos impõe limites aos gastos do governo e o Orçamento é composto majoritariamente por despesas obrigatórias, que podem crescer acima da inflação, a agenda de reformas econômicas passou a ganhar ainda mais relevância.

Em relatório publicado no início de agosto, por exemplo, nosso time de Macroeconomia projeta que dois dos maiores gastos obrigatórios – a Previdência e os custos com pessoal – devem se elevar em 3,7% em 2021. A projeção para o IPCA é de 1,7% para este ano e de 3,1% para o próximo. Isso significa que sobra menos espaço para o crescimento das despesas discricionárias.

O teto em meio à pandemia

A crise ocasionada pela pandemia do novo coronavírus, no entanto, impôs a necessidade de uma série de gastos adicionais. Somente o auxílio emergencial, por exemplo, representa um custo de R$ 50 bilhões por mês.

Para lidar com esta situação extraordinária, o Congresso aprovou a PEC do Orçamento de Guerra, permitindo ampliar os gastos durante a vigência do estado de calamidade pública e separando esses recursos do Orçamento Geral da União.

Contudo, em meio a este novo cenário, também cresceu a pressão por mais gastos discricionários, principalmente com investimentos. Propostas relativas a programas sociais e medidas que podem afetar a arrecadação, como uma eventual desoneração da folha de pagamentos, também trariam desafios ao cumprimento do Teto de Gastos e à trajetória da dívida pública.

Na avaliação do nosso time de Macroeconomia, segundo relatório publicado no início de agosto, o cumprimento do Teto de Gastos tem se tornado mais desafiador. “Para o cumprimento da regra até 2026, será essencial fazer reformas que permitam a flexibilização ou queda das despesas obrigatórias”, escrevem nossos especialistas.

Isso porque, além das despesas obrigatórias já estarem bastante elevadas (representam mais de 90% dos gastos), a expectativa é que com as regras atuais elas continuem crescendo, exigindo que as despesas discricionárias caiam demasiadamente para que o gasto como um todo respeite o teto.

Na ocasião, nosso time de Macroeconomia traçou três cenários possíveis:

  • Cumprimento do teto de gastos até 2026, quando passaria a crescer na mesma proporção do PIB. O custo médio implícito da dívida no período é de 5,0% e a carga tributária crescendo na mesma taxa que o PIB;
     
  • Teto é descumprido, dada a falta de reformas nas despesas obrigatórias e a impossibilidade de cortar as despesas discricionárias abaixo do mínimo exigido para o funcionamento da máquina pública. Além do impacto direto sobre o resultado primário, a dívida também seria afetada via elevação do seu custo, que passaria de 5,0% para 7,0%, respondendo à piora da percepção de risco;
     
  • Cenário intermediário, em que, apesar de não cumprir o teto, a carga tributária se elevaria 0,7 ponto percentual do PIB (diferença entre o nível médio de 2012-2014 e o nível médio de 2018-2020), e o custo da dívida se elevaria para 6,0% ao ano.

O resultado de cada cenário você visualiza abaixo:

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Deste modo, nosso time de Macroeconomia ressalta a importância das reformas estruturais, de modo a conter o crescimento do gasto obrigatório e reduzir a percepção de risco com relação à economia brasileira, o que seria importante para a permanência do cenário de juros baixos.