Não há dúvida de que a crise econômica global provocada pela pandemia de coronavírus será umas das maiores recessões da história. Todavia, os dados sobre a recuperação da atividade econômica no Brasil e no mundo têm majoritariamente superado as estimativas dos especialistas.

No âmbito doméstico, a maior parte dos economistas tem subestimado a velocidade de recuperação, como mostraram os dados de maio divulgados nas últimas semanas, à exceção do setor de serviços. Então o que poderia explicar o relativo melhor desempenho da economia brasileira? Seria possível ficar mais otimista com a variação do PIB neste ano e no próximo?

Para responder a essas questões, a equipe de Macroeconomia do Banco Safra destaca que é preciso compreender as peculiaridades da crise da Covid-19, bastante distintas das crises anteriores. Nossos especialistas explicam que, quando se discute crises macroeconômicas, há dois grandes tipos de choques, os de oferta e os de demanda.

Choques de oferta ocorrem quando, por fatores externos ou domésticos, uma economia não consegue oferecer bens e serviços para sua população ou para exportação. Há não muito tempo, o Brasil vivenciou um caso típico de choque de oferta durante a greve dos caminhoneiros. Com o fechamento de estradas país afora, houve escassez de produtos para as famílias.

Já um choque de demanda pode ocorrer por uma ruptura do consumo externo ou por fatores domésticos, como a falta de confiança das empresas e dos consumidores ou por conta de uma restrição de renda da população local, normalmente associada a taxas de desemprego elevadas e queda da massa salarial disponível, como ocorreu na crise brasileira de meados de 2014 até o final de 2016.

O que distingue a crise da Covid-19 das demais é que as necessárias medidas de isolamento social incorrem em inevitável choque de oferta em razão do fechamento total ou parcial de diversos segmentos econômicos. Posteriormente, isso certamente acarretará também em um choque de demanda, uma vez que, em maior ou menor grau, empresas e empregos serão destruídos por conta do choque inicial.

Nesse contexto, como o consenso acadêmico é que o resultado da opção alternativa ao choque de oferta (a não adoção de medidas de distanciamento social) seria uma crise mais duradoura e consequentemente mais danosa à economia, o foco dos governos e instituições por todo o mundo tem sido mitigar ao máximo, por meio de políticas públicas, o choque de demanda.

Auxílio amorteceu crise

Desse modo, o governo brasileiro adotou diversas medidas para preservação de empresas e empregos, entre elas o auxílio emergencial, que distribuiu recursos para os mais vulneráveis. Recentemente, analistas começaram a se questionar se a renda do auxílio emergencial seria suficiente para compensar a queda da massa salarial e assim evitar parte do choque de demanda.

Nesse sentido, nossos especialistas elaboraram um estudo sobre a massa ampliada disponível para abordar essa temática como uma possível explicação para as surpresas positivas na atividade econômica.

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A conclusão é que, no momento, a massa ampliada disponível está maior, em termos reais, do que a observada no mesmo período do ano passado. Embora ela não seja a única fonte de renda para o consumo, trata-se seguramente da mais importante delas. Assim, segundo os cálculos de nossa equipe de Macroeconomia, o auxílio emergencial mais do que compensou a queda da massa salarial, cenário que deve permanecer ao longo do terceiro trimestre.

Isto é, atualmente não haveria uma restrição de renda na economia brasileira e a queda na atividade estaria mais relacionada ao choque de oferta e ao aumento da poupança precaucional, fenômeno comum em tempos de crise, por conta do aumento da incerteza e queda da confiança. Com isso, a queda inicial e a recuperação imediata com o fim do choque de oferta podem ser até melhores do que as previamente esperadas.

Todavia, o estudo também mostra que, por essa ótica, o futuro não será um céu de brigadeiros para a economia local. Com o fim do auxílio emergencial, a massa ampliada disponível deverá cair 5,5% no quarto trimestre frente ao mesmo período de 2019 em termos reais.

Portanto, por mais que haja a recuperação da confiança e reversão da poupança precaucional para mitigar esse impacto, nosso time entende que poderá haver uma restrição de renda no final deste ano, o que poderia implicar em recuperação lenta, ou até queda da atividade, a partir do último trimestre de 2020, a menos que a velocidade de retomada do mercado de trabalho seja consideravelmente maior do que a estimada.

Ponderando essas forças, a equipe do Safra atribui leve viés de alta à atual projeção de queda de 5,7% do PIB de 2020. Sem o auxílio emergencial, a retração poderia ser de 2 até 4,5 pontos porcentuais maior, estimam nossos economistas.

Atenção ao equilíbrio fiscal

Contudo, os dados de parte do setor dos serviços em maio servem de alerta para o otimismo, e não se pode perder de vista que 2020 terá provavelmente a maior recessão do século.

Além disso, é importante lembrar o peso fiscal dos gastos com o auxílio emergencial. É errado imaginar que a perpetuação, sem contrapartidas, de tais medidas seria benéfica ao crescimento econômico, pois o efeito colateral seria uma trajetória insustentável da dívida pública e, por consequência, redução da capacidade já limitada de investimento do Estado, aumento do custo do crédito e inflação.

A medida é necessária para o amortecimento do choque de demanda oriundo da crise da Covid-19. Qualquer discussão adicional sobre manutenção de programas de transferência de renda deve vir acompanhada de uma discussão mais ampla do arcabouço de benefícios existentes e reformas estruturais que liberem espaço no orçamento público, afirmam nossos analistas.