Ainda é difícil ter uma visão clara sobre os impactos das alterações fiscais propostas pelo governo, pois os parlamentares em Brasília podem mudar significativamente o texto inicial.

Ainda assim, o Safra projetou os efeitos potenciais da reforma tributária para diferentes setores de nosso universo de cobertura. Confira abaixo as estimativas.

Serviços financeiros

O setor financeiro pode acabar pagando mais impostos (com a taxa efetiva de imposto aumentando em média cerca de 3 pontos porcentuais). Vemos a Itaúsa (ITSA4) como um dos casos menos impactados em nossa cobertura, assumindo que o fim do instrumento de JCP pode terminar com a ineficiência tributária do PIS/Cofins em algumas holdings.

A redução dos ganhos no setor financeiro deve atingir a metade de um dígito a partir de 2023 com a nova alíquota de imposto e o fim do instrumento de JCP. Já executamos uma análise de sensibilidade para estimar o impacto do encerramento do JCP e a redução potencial do imposto de renda alíquota de até 5 pontos porcentuais, e nossa conclusão foi um impacto negativo (uma queda média de cerca de 4,5% nos lucros).

Neste cenário, a alíquota tributária efetiva dos bancos pode saltar de 31,5% para 34,5%. O fato de que em 2022 a  alíquota de imposto poderia cair apenas 2,5 p.p. pode fazer com que a redução de lucros caia para um dígito alto. Em nossa opinião, os bancos de capital aberto, como o Banco do Brasil (BBAS3) e o Banrisul (BRSR6), foram os bancos mais impactados (considerando que o instrumento de JCP traz maior proteção fiscal, pois esse instrumento é mais relevante em bancos com ROEs mais baixos).

Em nosso estudo, o Santander Brasil (SANB11) e o BTG (BPAC11) foram os menos afetados pela proposta de reforma tributária. Entre as seguradoras, esperamos que o IRB (IRBR3) seja mais impactado negativamente que a Porto Seguro  (PSSA3), devido ao seu nível de ROE mais baixo, e ao fato de o IRB usufruir de alguns benefícios fiscais no ramo de agro-resseguro que não devem ser beneficiados pela redução de 5 p.p. de imposto.

Telecomunicações

As ações do setor desfrutam de economias fiscais relevantes com o benefício de JCP. No entanto, devemos ressaltar que elas poderiam mitigar esse impacto otimizando sua estrutura de capital (reduzindo a base de capital e aumentando seu endividamento), especialmente no caso de investimento da Telefônica Brasil (VIVT3).

A dona da Vivo, especificamente, pode observar uma redução de um dígito médio–alto em suas expectativas de ganhos de 2023 em diante. Acreditamos que a redução de capital poderia chegar a 1 vez o Ebitda, ou cerca de R$ 15 bilhões, o que representaria cerca de 20% de seu valor de mercado, que pode ser limitado pela aprovação da Anatel (ou pela conclusão da migração da concessão da empresa para o regime de autorização).

Tecnologia

Para o setor de tecnologia, a reforma tributária pode impactar os lucros, mas não deve ser um evento significativo sobre os preços das ações. Embora devamos ver o fim do JCP (trazendo significativo aumento de impostos), tendo em vista que essas ações apresentam um balanço patrimonial forte (com posição de caixa líquido), é importante destacar dois
fatores importantes.

Certas ações do setor têm o preço mais relacionado ao crescimento da receita do que aos lucros (e o rendimento de dividendos não é um tema importante para a maioria de seus investidores). Em segundo lugar, a maior parte do valor dessas ações é de longo prazo (quando nossos modelos já trabalhavam com alíquota de imposto mais alta).

Olhando para os nomes de tecnologia, Locaweb (LWSA3) deve ser o mais impactado, com redução de lucro de 17% em 2022 e 14% em 2023), enquanto o lucro da Sinqia (SQIA3) deve cair em 11% e 10%.

Varejo

Para o varejo, a redução na alíquota do IR beneficiará mais d1000 (DMVF3), CVC (CVCB3), Natura (NTCO3), Profarma (PFRM3), Carrefour Brasil (CRFB3), Lojas Quero-Quero (LJQQ3) e Track & Field (TFCO4), que pagam a maior alíquota efetiva de imposto, todas acima de 34%, combinando imposto de renda mais taxas de contribuição social.

Vemos a proposta de aumento da faixa de isenção de imposto de renda como um fator positivo para o varejo. De acordo com os dados oficiais do governo, 5,6 milhões de contribuintes adicionais irão aderir à base de isenção de impostos, um aumento de 31%.

A isenção afetará a base de consumidores emergentes, onde há maior demanda reprimida por produtos e serviços. Com isso, acreditamos que parte do aumento da renda disponível irá impulsionar o consumo, impulsionando praticamente todos os setores de varejo e bens de consumo, ajudando a promover o comércio no setor de alimentos, bem como o aumento das vendas de itens de moda mais discricionários e produtos semiduráveis com tickets mais altos. Se aprovada, a proposta deve ajudar a atrair de volta a atenção dos investidores para nomes de varejo.

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Por outro lado, o fim da isenção de juros sobre o capital próprio afetaria mais a CVC, Lojas Americanas (LAME4), Hypera (HYPE3), Arezzo (ARZZ3), Guararapes (GUAR3), Carrefour Brasil, RaiaDrogasil (RADL3), Hering (HGTX3), Natura e Panvel (PNVL3) seriam as maiores perdedoras, nesta ordem, pois o benefício representou mais de 10% do faturamento dessas empresas em 2019. Usamos 2019 como ano de referência em ambos os casos devido ao forte impacto nos lucros do varejo em 2020.

Commodities

Quanto a óleo e gás, bem como siderurgia e mineração, o fim do JCP tende a ter um impacto maior nas empresas com alta distribuição de lucros. Caso atualmente da Vale (VALE3) e potencialmente da Petrobras (PETR4).

Por outro lado, os maiores beneficiários potenciais da redução da alíquota de imposto de renda são aqueles com a maior alíquota efetiva dos últimos anos e que fizeram pouco ou nenhum pagamento de juros sobre capital próprio, como Ultrapar (UGPA3) e Usiminas (USIM5).

Vale ressaltar que a existência de subsidiárias estrangeiras torna uma estimativa da mudança para algumas das empresas muito menos exata.

Serviços públicos

Considerando uma primeira análise dos impactos potenciais da reforma tributária proposta para as concessionárias de serviços públicos, avaliamos preliminarmente as empresas de saneamento como as mais impactadas pela exclusão do mecanismo de JCP. O impacto médio sobre o lucro de 2021 seria de -8,3%, considerando apenas as empresas com pagamentos de JCP relevantes.

Estimamos impacto abaixo de 5% para AES Brasil (AESB3), Engie (EGIE3), Neoenergia (NEOE3), Taesa (TAEE11) e Copel (CPLE6).

E Equatorial (EQTL3), Energisa (ENGI11), Light (LIGT3), Eletrobras (ELET6), CPFL (CPFE3) e Alupar  (ALUP11) não pagaram JCP nos últimos dois anos.

Também avaliamos o impacto preliminar de uma redução média de 5% do imposto sobre as sociedades em nossa cobertura, o que pode ser um bom mitigador para o fim do JCP. Estimamos um aumento médio de 6% a 8% no lucro líquido das empresas, oriundo da redução da alíquota.

Companhias aéreas

E não vemos um impacto relevante para as companhias aéreas. Considerando o atual cenário de dificuldades que leva as empresas a apresentar prejuízo líquido recorrente, enquanto não vemos perspectiva de retomada da lucratividade num futuro próximo. Além disso, não há histórico de distribuição significativa de dividendos para o setor.

Logística e transporte

Esperamos um impacto ligeiramente negativo sobre as operadoras de concessões, tendo em vista que a reforma tributária deverá beneficiar seu principal benchmark, os instrumentos de renda fixa de longo prazo, para os quais os impostos seriam reduzidos para 15%, da faixa regressiva de 22% até 15% em dois anos.

As concessionárias são boas pagadoras de dividendos, sendo a maioria de seus acionistas sensíveis ao volume de pagamentos de dividendos. Nos últimos três anos anos, a CCR (CCRO3) pagou dividend yield de aproximadamente 4,5%.

Apesar do impacto ligeiramente negativo esperado, reforçamos nosso rating de compra para CCR considerando o enorme potencial de valorização que vemos para a ação. E não vemos um impacto relevante para as ações da Rumo (RAIL3).

Esperamos pouco ou nenhum impacto da reforma tributária para o setor de logística, que apresenta baixos níveis de dividendos distribuídos devido ao seu alto crescimento e alta alavancagem.

No entanto, vemos um impacto ligeiramente negativo para a Tegma (TGMA3), dado o pagamento histórico de JCP, cerca de 25% de sua distribuição média de rendimentos nos últimos três anos.

Aluguel de veículos

Para as locadoras de veículos, esperamos impacto negativo das mudanças esperadas com a proposta de reforma tributária.

A Localiza (RENT3), Unidas (LCAM3) e Movida (MOVI3) têm utilizado a isenção fiscal do JCP com recorrência para quase toda a sua distribuição de resultados nos últimos anos.

Construção

Também não vemos impactos importantes em relação às operações das empresas no setor de construção residencial. Não foram anunciadas mudanças no regime de tributação 'RET', que permite às empresas pagar um imposto total de 4% sobre as receitas de imposto de renda, contribuição social, PIS e Pasep.

Por outro lado, entendemos que as empresas que planejaram pagamentos de dividendos altos para os próximos anos podem antecipar suas distribuições, de modo que seus investidores possam evitar parcialmente potenciais tributos.

Isso pode ficar ainda mais claro quando consideramos as incorporadoras que planejavam alterar sua estrutura de capital, reduzindo a relação patrimônio líquido sobre o capital total via distribuição de rendimentos, como é o caso da Direcional (DIRR3) e da Cyrela (CYRE3).

Destacamos também que em conversas recentes com a maioria das empresas, ficou claro que não são esperadas alterações na tributação dos dividendos distribuídos das SPEs às holdings, o que reforça nossa visão de que as construtoras tendem a ser um dos setores menos afetados pela nova proposta.

Shopping centers

As operadoras de shopping centers têm um modelo de tributação híbrido. As empresas têm uma parte de seus ativos tributada pelo método do rendimento real e outra parte pelo método do rendimento presumido.

Isso gerou uma taxa média de imposto de cerca de 20% entre as principais empresas listadas no setor de shopping centers. Dessa forma, destacamos que a proposta de redução de 5% do IRPJ pode se tornar menos relevante no setor, caso esse desconto também não seja aplicado à receita presumida.

No geral, esperamos um impacto neutro para quase todas as operadoras de shoppings em meio à proposta de reforma tributária, exceto para a Multiplan (MULT3), para a qual esperamos um leve impacto negativo dada a recorrência do uso do JCP, que representou 100% da distribuição de lucros da empresa nos últimos 5 anos.

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Também destacamos que a potencial tributação de dividendos de FIIs pode impactar negativamente a negociação de ativos no setor, especialmente se os fundos de investimento começarem a negociar a aquisição de ativos a preços mais baixos (taxas de capitalização mais altas), conforme os gestores começam a buscar retornos mais elevados em meio à tributação de dividendos.

Isso teria um sério impacto nos negócios da LOG Commercial Properties (LOGG3), que é excessivamente sensível aos retornos sobre a reciclagem de seus ativos maduros.

Saúde

As ações do setor de saúde devem ter um impacto de lucro de neutro a positivo, mas um impacto negativo no rendimento de dividendos. O impacto geral sobre o LPA das ações de saúde deve ser limitado, assumindo as principais alterações propostas.

Como a maioria das ações de saúde não distribuem muito dinheiro por meio de JCP, o impacto líquido deve ser neutro a ligeiramente positivo na maioria dos casos. Em termos gerais, as ações que distribuem 15% de seus ganhos antes de impostos (EBT) como JCP terão um impacto LPA neutro em 2023.

Qualquer coisa acima desse nível resultará em um impacto negativo no lucro líquido, enquanto taxas JCP/EBT mais baixas resultarão em um impacto positivo no lucro líquido.

Educação

Esperamos um impacto menor para o setor de educação, principalmente devido aos baixos níveis naturais de dividendos distribuídos devido ao seu alto crescimento e alta alavancagem. O setor de educação também desfruta de benefícios fiscais para o ensino superior do Prouni.