Após integrar premissas mais conservadoras por conta dos impactos da pandemia de coronavírus, os analistas da nossa Corretora reduziram a projeção para o Ibovespa no fim de 2020. Agora, eles estimam que o principal índice de ações do país deve terminar o ano aos 97 mil pontos. A previsão anterior era de 140 mil pontos.

A atualização reflete uma menor expectativa de lucro das empresas. Além disso, nossos especialistas acreditam que, nos próximos meses, as ações serão negociadas com preços menores em relação ao lucro (múltiplo P/L), consequência do movimento de maior aversão a risco, e também do aumento do custo de capital (os juros de médio e longo prazos subiram).

No entanto, o relatório, assinado pelos analistas Luis Azevedo, Cauê Pinheiro e Silvio Dória, aponta que o movimento de venda de ações foi exagerado, e que o mercado deve apresentar recuperação num horizonte de investimento maior. Eles destacam que os esforços dos governos, em nível global, para mitigar os impactos da pandemia via políticas fiscal e monetária não devem ser subestimados.

Potencial de recuperação

O mundo foi surpreendido pela pior crise de saúde pública do século. A pandemia obrigou países, incluindo o Brasil, a realizar um grande isolamento social, com forte impacto na atividade econômica e nas expectativas de mercado.

O departamento de Macroeconomia do Safra, por exemplo, revisou o PIB de 2020 sequencialmente para baixo. A projeção atualmente é de recuo de 2,8% do PIB. No início do ano, a previsão era de crescimento de 2,3%.

Os analistas de nossa Corretora classificam a pandemia como um “cisne negro”, expressão cunhada pelo matemático Nassim Taleb para designar um evento extremamente difícil de prever e que provoca crises de forte intensidade.

Nossa equipe assinala que o cenário atual traz bastante incerteza, uma vez que ainda não se sabe por quanto tempo as medidas de isolamento social permanecerão em vigor. As consequências devem ser mais negativas se esse processo for lento, ou mais positivas caso o isolamento seja abrandado ou termine num horizonte mais próximo.

De qualquer forma, mesmo assumindo que a pandemia tenha efeitos concentrados no primeiro semestre, os analistas do Safra entendem que haverá revisão de resultados das empresas para 2020, e algum efeito de carregamento para 2021.

O novo preço-alvo de nossa Corretora para o Ibovespa ao fim de 2020 foi estabelecido assumindo que o preço do índice será negociado a 11,7 vezes o valor do lucro das companhias estimado para 2021 (múltiplo P/L).

O novo múltiplo é inferior ao da análise anterior, de 14,8 vezes, por presumir um maior custo de capital. Atualmente o Ibovespa negocia a múltiplos P/L de 10,8 vezes para 2020 de 9,0 vezes para 2021. Portanto, existe um um bom potencial de recuperação.

Juros em alta pesam

Os analistas de nossa Corretora destacam que, nas últimas semanas, houve um forte crescimento das taxas de juros de médio prazo, evidenciado pelo aumento do risco-país, movimento também verificado nos títulos públicos de longo prazo atrelados à inflação (NTN-Bs).

Essa elevação dos juros de médio e longo prazo (que não devem ser confundidos com os juros de curto prazo, ancorados pela taxa Selic, definida pelo Banco Central) é chamada no mercado de “abertura da curva de juros”, e tem por consequência o aumento do custo de oportunidade de se investir em renda variável. Em outras palavras, fica menos atrativo comprar ativos mais arriscados quando a remuneração de um título público aumenta.

Segundo nossos analistas, o aumento da volatilidade nas curvas de juros reflete as incertezas relacionadas à pandemia, bem como preocupações com o ambiente político, que se intensificaram depois que o Congresso derrubou o veto ao BPC (Benefício de Prestação Continuada), medida que pressiona os cofres públicos.

Se boa parte das soluções para suavizar os efeitos da forte desaceleração econômica exigem dos governos uma política fiscal temporariamente menos rígida, então pode ser que o risco-país dificilmente volte ao patamar anterior.

Para refletir essa mudança, os analistas de nossa Corretora aumentaram a estimativa de custo de capital em 1 ponto porcentual, para 12%, nos modelos de avaliação de empresas. Essa alteração tem impacto negativo para os preços dos ativos.

Além disso, a combinação de menor perspectiva de crescimento global (com impacto no preço das commodities, em especial no preço do petróleo) e a falta de acordo entre os maiores produtores globais de petróleo, levou nossa equipe a cortar as projeções para a Petrobras. Mesmo que a estatal seja hoje uma empresa menos relevante na composição do Ibovespa, ainda assim ela tem um peso grande, cerca de 8%.

Modelo atualizado

Com base na perspectiva de que os resultados das empresas em 2020 serão comprometidos, e com algum efeito em 2021, reduzimos nossa projeção de lucro por ação do Ibovespa de R$ 9.367 para R$ 8.278 em 2021.

No entanto, nossos analistas ressaltam que o mercado respondeu rapidamente à forte deterioração de expectativas e a Bolsa já acumula queda de mais de 30% desde o início do ano. Observando a relação do preço das ações sobre o lucro estimado em 12 meses, a Bolsa, que estava negociando em múltiplos próximos a 13 vezes, teve uma forte realização para um múltiplo de 9 vezes, o que parece exagerado, mesmo assumindo um maior risco de decepção de resultados das empresas que compõem o Ibovespa.

Há uma perspectiva de revisão do mercado para os lucros das empresas, que ainda apresentam bastantes incertezas (muitas empresas decidiram não mais projetar resultados esperados para o ano por conta das incertezas). Porém, nossos analistas entendem que a crise, apesar de aguda, é temporária. A maior parte das empresas deve conseguir se recuperar no futuro, como já fizeram em crises passadas.

Nessa crise, avaliam nossos especialistas, as pequenas e médias empresas sofrerão muito mais do que as grandes companhias negociadas na Bolsa, que têm mais acesso a crédito bancário e mercado de capitais.

E conforme as preocupações com a propagação da pandemia diminuam, e as medidas de isolamento social sejam abrandadas, a atividade econômica deve ser restabelecida, assim como a dinâmica das empresas e a confiança para investimentos e contratações. Desse modo, nossos analistas esperam que os níveis de risco se reduzam e a Bolsa se recupere.

O exato momento desse movimento é incerto, mas ele deverá ocorrer, e os múltiplos da Bolsa deverão se valorizar, ainda que talvez não no mesmo patamar anterior à crise.

Suporte dos governos

Os analistas de nossa Corretora destacam também o esforço dos países em restabelecer o crescimento da economia global, como o pacote de US$ 2 trilhões aprovado pelo governo dos Estados Unidos, além de medidas para prover liquidez apresentadas pelos bancos centrais americano e europeu.

No Brasil, são ressaltadas as medidas de afrouxamento fiscal no curto prazo aprovadas pelo Congresso Nacional (por exemplo, o pacote de auxílio de renda para trabalhadores informais), bem como as recentes medidas do Banco Central em assegurar liquidez no mercado bancário, via redução de exigências de capital e de compulsórios. Destaque ainda para a estruturação de linhas de crédito para pequenas e médias empresas financiarem suas folhas de pagamento.

A baixa pressão inflacionária contribuiu para o Banco Central voltar a reduzir a taxa Selic a níveis ainda mais baixos (nosso time de Macroeconomia ainda espera mais um corte de 0,5 ponto na próxima reunião do Copom em 6 de maio, levando a Selic a 3,25%), o que pode auxiliar na retomada da atividade após a crise.

Nossos economistas ainda revisaram suas expectativas para o PIB neste ano, assumindo que a quarentena deva durar mais algumas semanas e produzir um forte efeito sobre o faturamento do setor de serviços e a produção industrial no segundo trimestre. Com isso, a queda do PIB em 2020 deve ser de 2,8%. Esse cenário considera que teremos uma forte recuperação já a partir do terceiro trimestre, mas ainda assim insuficiente para compensar toda a queda observada no primeiro semestre. Por ora, a projeção para o PIB em 2021 não foi alterada, e segue considerando crescimento de 2,4%.

Riscos para a tese

Nossos analistas assinalam que os principais riscos da avaliação do preço-alvo do Ibovespa são uma intensificação da desaceleração da economia global, um aumento da curva de juros e uma menor taxa de crescimento econômico da economia brasileira.