O impulso à demanda proporcionado pela política econômica ainda não se dissipou nos Estados Unidos. Os efeitos defasados dos estímulos fiscais implementados desde o começo da pandemia e a taxa de juros real crescentemente negativa têm resultado em um comportamento extremamente dinâmico da economia americana, agora facilitado pela retirada de exigências de isolamento social que permite a expansão do setor de serviços.

O consumo das famílias subiu 1,1% nos últimos três meses, 4,4% em termos anualizados, já tendo voltado à tendência, bastante forte, de antes da pandemia.

A recuperação tem sido discrepante entre os diversos setores da economia. O consumo de bens duráveis, estimulado pela restrição do consumo de serviços durante o isolamento social, já está 22% acima do patamar anterior da pandemia. O consumo de serviços pelas famílias ainda está 1,3% abaixo do nível do início de 2020, mas com o relaxamento das restrições logo voltará à tendência. 

O índice ISM da indústria deve ter permanecido em patamar historicamente elevado em novembro, com encomendas robustas. Alguns indicadores, inclusive a estimativa do Fed de Atlanta, sugerem que o quarto trimestre poderá ficar acima da expectativa do consenso dos economistas, de 4,9% anualizado.

A força das encomendas e da demanda de modo geral deve continuar a pressionar a busca por trabalhadores. Como tem sido observado, há um volume recorde de vagas abertas nas mais diversas profissões, independentemente da região do país. Nesse contexto, o acúmulo de poupança no ano passado pode aumentar a relutância das pessoas a voltarem a trabalhar.

Mas há vários fatores que podem ajudar a aumentar a oferta de mão de obra ao longo dos próximos trimestres, reduzindo o desemprego e abrindo caminho para uma normalização monetária. Entre eles, destacamos dois:

  • Encontramos indícios de que a extensão do auxílio-desemprego pode ter postergado a recuperação do mercado de trabalho. Entre os 15 Estados americanos que encerraram antecipadamente a assistência social (entre junho e julho), 13 apresentaram recuperação vigorosa do emprego. Por outro lado, 11 dos 15 Estados que mantiveram o benefício por mais tempo apresentaram recuperação mais lenta. Isso sugere que o fim dos benefícios ocorrido em todos os Estados em setembro pode estimular a oferta de mão de obra, especialmente entre trabalhadores menos escolarizados.
     
  • A redução do isolamento social diminuirá a preocupação dos trabalhadores em participarem de atividades que envolvem contato interpessoal, como no setor de lazer, turismo e hospedagem.

Uma recuperação gradual da taxa de participação dos trabalhadores no mercado de trabalho ao longo dos próximos três semestres permitiria levar a taxa de desemprego do atual nível de 4,6% para 3,8% em julho de 2022, atingindo 3,4% no final do próximo ano, patamar considerado de pleno emprego pelo Fed.

Inflação permanece elevada

O núcleo do índice de preços ao consumidor acumulado em doze meses atingiu 4,1% em outubro, maior desde 1991. A abertura sugere uma maior difusão, com pressão em bens duráveis, não duráveis e serviços.

A discussão de o quanto o aumento nos preços se deve a gargalos nas cadeias de valor e, consequentemente, a uma inflação de custos, deve ser posta no contexto do extraordinário estímulo de demanda.

Exemplo eloquente do impacto do aumento de demanda nos custos das empresas é o congestionamento nos portos da Costa Oeste americana e aumento do custo de transporte.

A maior espera no porto de Long Beach, por exemplo, não chega a surpreender, quando se considera que o número de containers (TEUs) transitando nas suas instalações aumentaram em 21% nos últimos meses, contra uma taxa de crescimento tendencial de 3% ao ano.

A principal implicação dessas observações é que, na medida em que o aumento dos preços reflete um aumento de demanda que não deve se dissipar rapidamente, a política monetária terá que ser mais ativa, balanceando a paciência sugerida pelo presidente do Fed, Jerome Powell, com o entendimento das implicações negativas da persistência de pressões nos preços.

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Essa persistência inflacionária é apoiada pela própria vitalidade da economia, em parte pelo grande volume de poupança acumulado entre 2020 e 2021, que tem permitido a retomada do emprego e chancelado aumentos de salários significativos, que por sua vez vêm se traduzindo na disposição dos empresários a aumentarem o preço de venda de seus produtos.

As implicações das circunstâncias atuais e de seu prolongamento podem estar por trás da posição de vários participantes do comitê de política monetária do Fed apontarem que o ritmo de compra de ativos e o início de aumento da taxa de juros podem ser antecipados.

Portanto, diversos indicadores sugerem que a economia americana retornará para o pleno emprego no início do terceiro trimestre do próximo ano e a inflação permanecerá pressionada.

Nesse ambiente, aumenta-se a possibilidade de antecipação do início do ciclo de aumento de juros para junho de 2022, ante nossa expectativa inicial em setembro ou novembro.

Salvo por surpresas trazidas por eventual disseminação nos Estados Unidos da nova cepa de Covid-19, que está se espalhando pela Europa, apenas o exercício de extraordinária paciência pelo Fed apontaria para a postergação do começo da subida de juros em 2022 para o outono americano.