A relação dívida PIB é influenciada principalmente por três fatores: resultado primário, pagamento de juros e crescimento do PIB nominal. Quanto menor o crescimento econômico e quanto maior o serviço da dívida, maior deve ser o resultado primário para estabilizar a dívida.

Em 2022, a expansão do PIB nominal e a subida do resultado primário devido às  receitas mais altas compensaram em parte o aumento dos juros pagos, permitindo a queda da relação dívida/PIB. O pagamento de juros sobre 12 meses tem aumentado gradualmente, já alcançando 6,7% do PIB ao final de julho, valor ainda menor que o observado em 2016, de perto de 8% do PIB, mas bastante significativo e com tendência de crescimento nos próximos meses, à medida que o aumento da Selic vai sendo incorporado ao custo da dívida pública.

De acordo com o Banco Central, a queda de 2,7 ponto porcentual (p.p). da relação dívida PIB observada no ano até julho decorreu principalmente do crescimento do PIB nominal. Essa contribuição chegou a 5,3 p.p., superando a contribuição dos resgates líquidos da dívida (redução de 1,7 p.p.), os quais dependem, ao menos em parte, do superávit primário (superávits reduzem a necessidade de novas emissões para rolar a dívida vincenda) e mais do que compensando o efeito da apropriação dos juros nominais (aumento de 4,7 p.p.), que corrigem o saldo devedor da dívida.

Desde meados de 2021, o PIB nominal vem crescendo numa velocidade muito superior ao crescimento da dívida. A taxa de juros implícita da dívida bruta se encontra abaixo da taxa Selic, refletindo o período de Selic baixa de 2018 até recentemente. Esse fenômeno raramente acontece, tendo sido observado em 2013 e 2017, também por conta dos anos de Selic relativamente baixa no começo daquela década.

O custo da dívida deve subir em 2023, com a estabilização da Selic acima de 13,5% por um período de pelo menos seis meses a partir do meado de 2022.

A estabilização da relação dívida PIB em 2023 exigiria um superávit primário da ordem de 3,5% do PIB. O PIB nominal deverá crescer apenas 7,5% em 2023, contra perto de 12% em 2022. O custo médio da dívida deve subir para 10,6% a.a. (num contexto de IPCA de 5,4%, Selic média de 12,6% e taxa de câmbio de R$/US$ 5,35).

O resultado primário deve ser de -0,5% do PIB, bem abaixo do requerido para a estabilização da relação dívida PIB, que deve crescer 2,6 pontos percentuais, levando essa relação para 80,6% ao final de 2023.

O aumento de gastos e desaceleração da economia trarão novo ciclo de alta da dívida. Muitas das medidas fiscais implementadas ao final deste ano devem implicar em gastos permanentes, que criam novos desafios à estabilidade fiscal.

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Mesmo o crescimento econômico pode não trazer uma solução permanente sem esforço fiscal, pois o PIB crescer 2,0% a.a. em termos reais não é suficiente para neutralizar o custo da dívida com uma Selic de 7,5% e inflação de 3%. Nesse cenário seria necessário um superávit primário de 1,9% do PIB para estabilizar a razão dívida/PIB.

País deve registrar primeiro resultado primário positivo desde 2013

O Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas do 4º bimestre prevê superávit primário do governo central de R$ 13,5 bilhões este ano, contra déficit de R$ 59,3 bilhões no relatório do 3º bimestre. A mudança foi motivada pela adição de R$ 70 bilhões de receitas liquidas para 2022 e queda de R$ 3 bilhões de despesas.

O aumento de despesas obrigatórias previsto no relatório exigiu, por seu lado, corte de R$ 2,6 bilhões de despesas obrigatórias para garantir cumprimento do teto dos gastos.

A melhora do resultado fiscal neste relatório era algo esperado, uma vez que as estimativas do governo estavam claramente defasadas, dado o desempenho recente das receitas. O superávit primário mediano para o governo central em 2022, segundo a pesquisa Prima Fiscal, deverá ser de R$ 30 bilhões. A projeção do Safra é ainda maior, estando próxima a R$ 48 bilhões.

A principal divergência da projeção Safra e aquela no Relatório está nas receitas do governo. O Banco Safra estima que as receitas não administradas sejam R$ 24,3 bilhões superiores às previstas pelo governo (puxadas por dividendos, participações especiais e royalties), ao passo que as transferências a estados e municípios devem ser R$ 14,4 bilhões menores, dado que o governo as projeta em 20% da receita total, um valor alto, ainda que o crescimento de receitas, exceto pelos dividendos, esteja concentrado em receitas compartilhadas, dado que historicamente essa proporção não passa de 19%. Assim a receita líquida projetada pelo Safra está R$ 30,9 bilhões maior que a do governo.

Em relação à despesa, o governo destacou que o bloqueio adicional das despesas discricionárias se deveu ao crescimento dos gastos previdenciários, provavelmente em decorrência da aceleração de concessão de benefícios assistenciais na esteira de algumas mudanças legislativas para facilitar esse processo de concessão. Com isso, a despesa da previdência chega a R$ 15 bilhões acima das nossas previsões originais.

Por outro lado, o governo prevê despesas com gastos extraordinários e sentenças judiciais e precatórios bem abaixo de nossos números, levando a rubrica de “outras despesas obrigatórias” a ficar R$ 11 bilhões abaixo de nossas projeções. Pode ser assim que nem todo o gasto previsto com despesas contra a Covid-19 (R$ 29,6 bilhões) ou de auxílios adicionais (R$ 41,2 bilhões) sejam realizados.

Também no caso de sentenças judiciais, é possível que nem todo o saldo previsto no início do ano pelo orçamento (R$ 89 bilhões, sendo R$ 45,6 bilhões pagos dentro do teto e o restante fora do teto) seja também efetivamente pago até dezembro.

Essa hipótese é compatível com a sinalização na PLOA de 2023 de transferência de R$ 22 bilhões de precatórios a pagar para o ano que vem.

É provável que o governo melhore ainda mais suas previsões nos próximos relatórios, conforme observação oral dos representantes da Fazenda durante a apresentação do relatório à imprensa.

As previsões do Banco Safra, por outro lado, podem vir a ser um pouco reduzidas, na medida em que reavaliamos o impacto da aceleração da concessão de benefícios nos gastos da previdência ainda esse ano. De todo modo, o governo central alcançará o primeiro superávit primário desde 2013, ainda que esse resultado dificilmente tenha caráter estrutural.