Os vetos à Lei Orçamentária Anual de 2022 necessários para dar conforto ao cumprimento das metas fiscais pode desagradar algumas forças políticas. O valor em torno de R$ 8 bilhões é pouco expressivo frente aos R$ 1,7 trilhão em despesas primárias previstas, mas necessários para recompor algumas linhas de gasto essencial. A dúvida que se coloca é quais as despesas terão de ser sacrificadas.

Uma hipótese seria reduzir as emendas de comissões (RP8) em R$ 2 bilhões. A alternativa seria cortes nos R$ 16,5 bilhões das emendas de relator (RP9). As escolhas devem passar por um escrutínio político severo, até pela inovação que partilhou a responsabilidade dos ajustes no Orçamento entre Casa Civil e Ministério da Economia (Decreto 10.937/21), quando tradicionalmente a responsabilidade delegada era apenas do Ministério.

Entre os riscos fiscais estão a sugestão de aumento da remuneração de servidores, financiamento de vacinas, resposta a desastres climáticos, subsídios a preços de combustíveis e outras questões que possam surgir ao longo do ano.

A LOA previu R$ 1,7 bi para reajustes sem destinação a carreiras específicas. O valor corresponde a 0,5% da folha de ativos e inativos, o que limita sua atratividade. A LRF dificulta promessas para 2023.

No tocante aos preços de combustíveis, na quinta-feira o governo anunciou que prepara uma PEC para baixar preços de combustível e energia elétrica federal de forma temporária quando os preços sobem muito sem precisar cumprir a exigência de compensação prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal. O relevante impacto fiscal da medida e a sinalização de deterioração do arcabouço fiscal aumentaria a percepção de risco-país, com pressões sobe o câmbio e as taxas de juros futuros, movimentos que poderiam anular a redução pontual da inflação nesses itens.

Resultado fiscal pior em 2022

A LOA 2022 previu um déficit primário de R$ 79,3 bilhões (0,8% do PIB). O número é bem melhor que a meta de resultado primário definida na LDO (-R$ 170,5 bi), mas pior que o déficit primário do governo central encerrado em 2021 (estimado ao redor de R$ 40 bilhões).

O relatório final da LOA ampliou em R$ 47,5 bilhões a estimativa da receita líquida (receita total menos transferências a estados e municípios) prevista na Proposta de Lei Orçamentária enviada em agosto pelo Executivo ao Congresso. Além disso, a LOA elevou as despesas, refletindo as Emendas Constitucionais n.113 e 114/2021 (“PEC dos Precatórios”), que abriram um espaço fiscal de R$ 113 bilhões no teto dos gastos.

Projetamos déficit primário de R$ 108,5 bilhões (-1,2% do PIB) para o governo central em 2022, se não houver surpresas significativas ao longo do ano. O resultado reflete a receita líquida de R$ 1.629 bilhões (17,4% do PIB) e a despesa total de R$ 1.737 bilhões (18,6% do PIB), com receitas administradas pela Receita Federal abaixo daquelas incluídas na LOA e receitas não administradas maior do que aquelas na LOA.

Nossa projeção da rubrica 'receitas administradas pela Receita Federal do Brasil' é inferior à da LOA em R$ 52,3 bi. A diferença decorre, dentre outros fatores, de:

  • atividade econômica mais fraca (a LOA previu crescimento de 2,1% do PIB enquanto nosso cenário prevê 0,2%;
  • composição menos favorável do PIB do ponto de vista de geração de base tributável a partir da migração da produção e consumo de bens para serviços;
  • devolução dos efeitos positivos de recolhimentos atípicos que ajudaram as receitas em 2021 (como R$ 31 bi de receitas atípicas de IRPJ/CSLL); e
  • correção da tabela do IRPF (estimamos perda da ordem de R$ 19 bi com a correção da tabela).

Na categoria 'receitas não administradas', temos uma visão mais otimista, com receitas R$ 43 bilhões acima daquelas na LOA. A diferença decore da inclusão em nosso cenário do possível pagamento de R$ 25,3 bilhões em bônus de outorga no contexto da capitalização da Eletrobrás. Além disso, consideramos também R$ 11 bi em concessões referentes ao bônus de assinatura da cessão onerosa dos campos de Sepia e Atapu, realizada em dezembro. Apesar da licitação ter sido mencionada no relatório de receitas da LOA, os valores não foram incluídos nas estimativas do governo.

No tocante à despesa total, estimamos um valor R$ 17 bilhões maior que a LOA, decorrente principalmente de R$ 15 bilhões de créditos extraordinários abertos em 2021 para gastos relacionados à pandemia, mas que serão pagos somente em 2022. Esse valor nasceu da abertura de espaço fiscal em 2021 no bojo da aprovação da PEC dos Precatórios. De acordo com o texto aprovado na EC n. 113/2021 (art.4º parágrafo 1º), esse novo espaço ficou limitado a R$ 15 bilhões e "destinado exclusivamente ao atendimento de despesas de vacinação contra a Covid-19 ou relacionadas a ações emergenciais e temporárias de caráter socioeconômico."

Em nossas contas, o espaço efetivo teria sido de R$ 38,3 bilhões, caso não fosse aplicado esse limite. O valor desse crédito extraordinário não foi considerado na LOA, mas deverá constar do primeiro relatório bimestral e quadrimestral de execução fiscal.

O déficit do setor público consolidado deve ser afetado pela redução do superávit primário dos estados. Esse superávit deve ficar em 0,5% do PIB, bem abaixo do valor de 1,0% do PIB correspondente a 2021. Assim, o déficit primário consolidado (governo central, estados, municípios e estatais) deve ficar perto de 0,7% do PIB em 2022, podendo ser pior caso haja derrapagem a nível subnacional e redução de tributos a nível federal.

O aumento de juros se combinará com o maior déficit primário, acelerando o crescimento da dívida pública. Com o aumento da Selic, o serviço da dívida deve saltar para 7,2% do PIB, contribuindo para um déficit nominal (primário mais juros) de 7,9% do PIB. Por conseguinte, dívida bruta do governo geral atingirá entre 84% e 85% do PIB, uma alta de quase 2 p.p. frente a 2021 (estimada em 82,6% do PIB).