Em momentos em que a taxa de câmbio sofre forte variação, é natural que se procure identificar qual movimento estaria em linha com os fundamentos da economia. A equipe de Macroeconomia do Banco Safra analisou o tema e também atualizou a projeção para o câmbio. De R$ 5,40, nossos especialistas veem agora o dólar cotado a R$ 5,20 ao fim de 2020.

A taxa de câmbio responde principalmente à percepção de risco com relação à economia, ao preço das commodities (no caso de uma economia como o Brasil), ao diferencial entre os juros doméstico e externo e à própria performance do dólar no mercado global.

Se a queda do diferencial de juros, dada a forte queda da Selic nos últimos anos, parece ter explicado boa parte do movimento da moeda no ano passado, mais recentemente a piora da percepção de risco com relação à economia brasileira e a queda dos preços das commodities parecem explicar o movimento recente.

A deterioração do cenário externo devido à grave crise causada pela pandemia da Covid-19 é responsável pela piora desses indicadores, mas a percepção de risco responde também ao cenário político e suas implicações tanto para a trajetória de crescimento prospectiva como para a chance de retornarmos em um futuro próximo para as reformas necessárias para completarmos o ajuste fiscal.

Sendo assim, o que esperar para a taxa de câmbio daqui para frente? A expectativa com relação a novas quedas da taxa Selic vai reduzir ainda mais o diferencial de juros, pressionando potencialmente o real. No lado oposto, a esperada recuperação da economia global à frente deve contribuir para a recuperação do preço das commodities.

Além disso, a acentuada melhora das contas externas que deveremos observar ao longo de 2020 vai retirar pressão sobre o real, contribuindo para sua valorização. Resta argumentar sobre a trajetória esperada para a medida de risco para o Brasil, que responde tanto ao cenário externo como ao cenário político, fiscal e perspectivas de crescimento.

O início do processo de reabertura das principais economias, que também contarão com estímulos monetários e fiscais consideráveis, desencadeou um movimento de apetite a risco nos mercados, favorecendo ativos como moedas de emergentes.

Mas nas últimas semanas, a tentativa do governo de construir uma base de apoio também contribuiu para a melhora das medidas de risco, considerando a necessidade de se evitar pautas no Congresso que resultem em deterioração permanente do gasto público e levem a uma trajetória explosiva da dívida pública.

É fato que a natureza dessa aproximação entre Executivo e Legislativo é instável e por isso pode voltar a trazer volatilidade aos mercados. A instabilidade dessa relação será maior quanto mais negativo forem os efeitos da pandemia para atividade, avalia nossa equipe de Macroeconomia, gerando pressão para a continuidade dos estímulos injetados recentemente. Entretanto, hoje parece ter aumentado a chance de não caminharmos para um cenário de dívida explosiva. Nesse cenário, passamos a esperar que a taxa de câmbio encerre o ano a R$ 5,20/US$.

Outra maneira de abordar o tema é analisar a taxa de câmbio real de equilíbrio, relacionando o câmbio real com os fundamentos da economia, podendo assim comparar com o nível atual e verificar quão distantes essas duas medidas se encontram.

Assim, com base em uma taxa de câmbio real contra uma cesta de 19 moedas, estimamos um modelo correlacionando o câmbio real com o passivo externo líquido, o diferencial de crescimento entre EUA e Brasil, nossos termos de troca e o spread de bonds corporativos dos EUA em relação à Treasury (ambos de 10 anos).

Os resultados revelam que na ponta a taxa de câmbio (observada em maio) mostrava-se muito mais depreciada que o sugerido pelos fundamentos. Assim, considerando a melhora esperada de nosso passivo externo, a taxa de câmbio deveria voltar a se apreciar.

Contas externas

O cenário de recessão levará a um forte ajuste nas contas externas, retirando a pressão sobre o câmbio. Após sofrer deterioração ao longo de 2020, a conta corrente brasileira deverá apresentar um déficit de apenas 0,5% do PIB (ante expectativa no início do ano que apontava para déficit de 3,2% do PIB).

O superávit da balança comercial voltará a acelerar, alcançando US$ 56 bilhões em 2020 (ante US$ 40,7 bilhões em 2019). Apesar da queda do crescimento global afetar negativamente nossas exportações, a queda das importações será ainda mais acentuada (frente à forte queda do PIB esperada para esse ano), beneficiando nossa balança.

Adicionalmente, os déficits das contas de serviços e rendas serão beneficiados, entre outros motivos, pela queda dos gastos com viagens e menores gastos com juros e remessas de lucros e dividendos.

Condições financeiras e taxa de juros

Assim, a melhora do câmbio que devemos observar, juntamente com os demais preços dos ativos, reagindo ao início da recuperação da economia global, devem manter as condições financeiras mais relaxadas, favorecendo a recuperação da economia.

Nesse cenário, o BC pode sentir-se menos desconfortável com a hipótese de redução da taxa Selic para além dos 2,25% que deveremos alcançar na reunião do próximo dia 17. Assim, em seu comunicado divulgado após a reunião, apesar de possivelmente sinalizar uma mensagem de cautela daqui para frente, considerando o nível alcançado pela Selic, o comitê deve deixar a porta entreaberta para eventualmente voltar a cortar a taxa de juros no segundo semestre, a depender da evolução do cenário.

Nesse sentido, a projeção da nossa equipe de Macroeconomia considera a Selic a 2,25% ao fim de 2020, com viés de baixa. Nossos especialistas irão aguardar a decisão e a nova comunicação para avaliar a necessidade de ajustar a estimativa.