Em 2021, o governo central (Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social) fechou com déficit primário de R$ 35 bilhões, ou 0,4% PIB. Foi o melhor resultado desde 2014 e veio na esteira de um déficit histórico de 10% do PIB em 2020, associado à pandemia.

O bom resultado de 2021 resultou da combinação de arrecadação muito forte com considerável retração dos gastos pandêmicos. A receita líquida chegou a R$ 1.578,8 bilhões, alta real, frente ao IPCA, de 21,2% em relação a 2020. Já a despesa primária caiu para R$ 1.613,9 bilhões, representando uma queda real de 23,6%.

Há dúvidas se esse resultado se repetirá em 2022. Diversas características atípicas, que marcaram a economia em 2021 e que contribuíram para o bom desempenho fiscal, não estarão mais presentes este ano. Assim, projetamos que o governo central tenha déficit primário de R$ 109 bilhões, ou 1,2% do PIB neste ano.

O crescimento das receitas deverá ser modesto em 2022. A desinflação do IPCA e do IGP-M, assim como crescimento do PIB próximo a zero (e ligeiramente negativo do consumo das famílias) dão menos dinamismo à arrecadação.

Além disso, o próprio consumo deve se mover mais para o setor de serviços (cujo crescimento esperado é de 0,3%) e menos da indústria (-2,6%), o que desfavorece a coleta de impostos, dado que serviços, em geral, pagam menos impostos do que a indústria. A agropecuária, que também paga proporcionalmente pouco imposto, deve crescer 0,4%.

Além disso, a Receita Federal indicou que R$ 40 bilhões da receita do IRPJ foram atípicos. Este valor não deve se repetir, já que os lucros devem diminuir em 2022. Ainda, é quase certo que a correção da tabela do IRPF deve ocorrer, com impacto estimado de redução de R$ 19 bilhões, no mínimo. As receitas extraordinárias não devem ser muito significativas, salvo se a privatização da Eletrobrás avançar, permitindo ao governo receber R$ 25,3 bilhões em bônus de outorga pela renovação das concessões da empresa.

O aumento da receita total do governo central de R$ 80 bilhões que projetamos significa uma retração real de 3,7%, se deflacionada pelo deflator do PIB (8,2%). Como contraste, a receita cresceu R$ 465 bilhões de 2020 para 2021.

Mesmo com o declínio dos gastos para enfrentar a pandemia, a despesa do governo central crescerá em termos reais em 2022. Os R$ 117,2 bilhões em créditos extraordinários (fora do teto) ligados às despesas com Covid-19 não se repetirão em 2022. Apenas R$ 15 bilhões de créditos extraordinários abertos ao final de 2021 impactarão o resultado de 2022.

Por outro lado, as emendas constitucionais 113 e 114 de 2021 ampliaram o espaço fiscal de 2022 em torno de R$ 115 bilhões. A mudança da regra do teto dos gastos e os limites no pagamento de sentenças judiciais e precatórios criou significativo espaço para novas despesas, com destaque para o aumento provisório do valor dos benefícios do programa que sucedeu o Bolsa Família.

O reajuste em 10,2% de muitos benefícios sociais deve se traduzir em aumento real da despesa total. Os gastos sociais atrelados ao salário-mínimo correspondem à mais ou menos metade do gasto total, e foram reajustados pelo INPC de 2021, cuja variação também é superior à do deflator do PIB de 2022 (8,2%).

Portanto, a despesa total recorrente (no caso, excluindo os créditos extraordinários) crescerá 6,6% em termos reais, atingindo 18,4% do PIB. Essa proporção em relação ao PIB estará ligeiramente abaixo da média de 2017-2019 (18,9% do PIB), mas acima do valor de 17,3% do PIB de 2021.

Fazendo o mesmo exercício, mas substituindo nossas projeções de gastos pelas despesas previstas na LOA 2022, o gasto total cresceria 6,4% em termos reais. Essa despesa ainda cresceria 4,2% em termos reais, se fossem excluídos da conta os pagamentos adicionais para levar os benefícios do sucessor do Bolsa Família para R$ 400 mensais, que somam R$ 37 bilhões.

O crescimento real do gasto total só não será maior pela perspectiva de o aumento nominal de gasto com pessoal estar limitada a R$ 2 bilhões, permitindo que a despesa real com o funcionalismo caia 6,3% em 2022. O represamento salarial por mais um ano poderá ter impacto significativo na despesa primária do governo central em 2023.

As contas públicas também devem se deteriorar a nível subnacional em 2022. Estados e Munícipios tiveram um superávit primário de R$ 97,7 bilhões em 2021, equivalente a 1,1% do PIB, muito acima da média histórica dos últimos dez anos (0,25% do PIB).

Esse comportamento se explica pelo aumento da receita própria, como do ICMS, assim como das transferências do governo central, que aumentaram em R$ 89,7 bilhões em 2021 (90% do superávit alcançado).

Tais transferências, que são fração da arrecadação de impostos, como o Imposto de Renda e IPI, terão um desempenho bem mais fraco em 2022, dado o provável recálculo da Tabela do IRPF e o menor dinamismo do IRPJ. Há ainda o risco de o governo central reduzir as alíquotas do IPI.

A arrecadação do ICMS também deve cair em termos reais, até pelo recente congelamento da arrecadação sobre derivados de petróleo decidida pelos governadores.

Em resumo, o bom desempenho fiscal de 2021 foi um evento isolado e não se repetirá em 2022. O processo de desinflação, o crescimento frágil e concentrado no setor de serviços, menos tributado, e os reajustes de gastos sociais por índice acima da inflação corrente deverão promover desaceleração das receitas e aumento real dos gastos.

Medidas fiscais expansionistas reforçarão esses efeitos macroeconômicos adversos, confirmando um desempenho fiscal pior este ano comparado a 2021.