Oferta e demanda devem divergir ao longo de 2022. Os juros reais subindo à medida em que a desinflação avança, a incerteza sobre as condições macroeconômicas e um mercado de trabalho ainda frágil, especialmente nos segmentos de menor renda, devem segurar o consumo das famílias e o investimento das empresas.

Já a produção deve continuar se ajustando, especialmente naqueles setores em que a escassez de peças e componentes a restringiu em 2021, como é o caso da indústria automobilística. Com os preços das commodities cedendo, esse processo pode se fortalecer, facilitando a recomposição dos estoques, que estão em níveis baixos.

Consumo

O financiamento do consumo das famílias não deve se expandir significativamente em 2022. A relação produto por trabalhador já retornou para o patamar anterior da pandemia, limitando a possibilidade de aumentos significativos de emprego ou salários.

Após uma forte alta da produção, sem aumento relevante do quadro de mão de obra no segundo semestre de 2020, as empresas passaram a expandir a contratação de trabalhadores, mesmo com estagnação da produção. O número de pessoas empregadas já está, portanto, ajustado ao nível de produção, não se identificando uma demanda reprimida por novos trabalhadores.

Em novembro, a população ocupada em vagas informais atingiu 40 milhões de pessoas, na série com ajuste sazonal. Isso significa apenas 250 mil ocupações a menos do que em fevereiro de 2020, pré-pandemia. Além disso, as ocupações formais já se recuperaram integralmente, subindo para 53,8 milhões de pessoas, na série com ajuste sazonal. Assim, a taxa de desemprego também retornou para patamar próximo do período anterior da pandemia.

A piora da expectativa dos empresários não cria estímulo para novas contratações. Estando a expansão da capacidade de produção limitada – até pelos efeitos cumulativos esperados da política monetária – não se deve ver grande aumento de empregados nos próximos meses. Os reajustes de setores como escolas, observados nas últimas semanas, também sugerem que não há grandes pressões salariais no setor de serviços, que se recuperou por último.

Os rendimentos médios nominais e reais têm apresentado queda persistente nos últimos meses. Na esteira da inflação observada em 2021, o rendimento real do trabalho caiu para o menor patamar da série histórica iniciada em 2012. Mas, para além disso, tem-se visto nos últimos meses queda do rendimento nominal médio, que se explica em parte pelo efeito de composição do aumento da ocupação.

O setor de serviços, que pode voltar a funcionar com maior liberdade com a aparente redução do risco da Covid-19 (apesar do aumento de mortes recentemente), tipicamente comanda salários mais baixos do que o industrial. Assim, o reingresso dos trabalhadores desses setores puxou para baixo a renda média da força de trabalho.

Desta forma, apesar do aumento do número de pessoas empregadas, não só a massa salarial real tem declinado nos últimos meses, mas, surpreendentemente, a massa nominal ajustada sazonalmente não apresenta expansão desde meados do ano passado. Essa fraqueza do mercado do trabalho deve persistir em 2022, sendo pouco compensada pelo aumento das transferências do Auxílio Brasil.

Outra forma de financiamento do consumo é através da concessão de crédito. Apesar de condições de crédito relativamente favoráveis, com a entrada de novas instituições financeiras no mercado e redução de custos de financiamento pela adoção de processos digitais, a capacidade de endividamento das famílias parece limitada.

O aumento da taxa Selic tem elevado gradualmente a taxa de juros dos empréstimos para a pessoa física, ainda que com algum retardo — o que sugere que essa taxa continuará crescendo mesmo que o Banco Central encerre o ciclo de aumento da Selic em março próximo.

Essa combinação de maior endividamento e incremento do custo de capital está aumentando o comprometimento de renda das famílias com serviço de dívida, que atingiu 27,9% em outubro de 2021. Essa dinâmica parece já estar sendo capturada pelos indicadores de confiança do consumidor e empresário, que recuaram para patamar abaixo dos de 2019.

macrofev _1_.png

Produção

Pelo lado da oferta, devemos ver alguma expansão da produção, que deve se traduzir em recomposição de estoques ao longo do ano. A produção industrial revelou um crescimento de 2,9% em dezembro, acima da nossa projeção e da expectativa do mercado (ambos em 1,6%). Esse foi o primeiro número positivo após seis quedas consecutivas. Com esse resultado, a indústria cresceu 3,9% em 2021.

Os destaques positivos foram o setor automotivo e eletrônico (inclusive equipamentos de comunicação e componentes eletrônicos), o que sinaliza melhora nas cadeias de produção.

Dado pouco apetite do consumidor, a maior produção resultará em subida dos estoques nesse e em outros setores, o que deve favorecer a redução das pressões inflacionárias, especialmente no segundo semestre.

Dessa forma, estimamos retração da demanda doméstica em resposta ao aumento da taxa de juros, limitações da renda e capacidade de financiamento das famílias, e outras incertezas macroeconômicas. Mas, a recomposição de estoques deve sustentar o nível de produção, apontando para um crescimento do PIB real de 0,2% em 2022.