O cenário econômico brasileiro vem se deteriorando desde meados de fevereiro e as estatísticas começam a mostrar essa tendência. O impulso dado à economia em 2020 pelo auxílio emergencial e todas as intervenções do governo foi muito significativo e poderia permitir um 2021 de crescimento modesto, mas sustentado.

Por isso, mantivemos até recentemente o crescimento acima de 4% em 2021, explicado em boa parte pelo carrego de 2020, que prevíamos acima de 3,5%. Esse carrego se materializou em 3,6%, e continuou influindo nos resultados do começo de 2021, como IBC-Br de janeiro (1,0%).

O recrudescimento da Covid-19 desde a virada do ano e uma série de eventos nas últimas seis semanas, além da persistência da inflação, vêm dissipando aquele impulso, o que nos levou a reduzir a projeção do PIB para 2021 de 3,5% para 3,2%.

A piora da visibilidade econômica traduzida na desvalorização do câmbio, a um tempo em que as condições financeiras globais também se ajustam ao crescimento mais rápido dos EUA, continuará pesando nas perspectivas econômicas no Brasil, especialmente em consequência da incerteza quanto ao passo da vacinação, despesas públicas, entre outros fatores.

Essa mudança de velocidade da economia deve começar a ser percebida em abril, com quedas importantes nas pesquisas de sentimento do empresariado e nas estatísticas de atividade e emprego de março. A incerteza atual prenuncia um segundo trimestre de contração econômica e uma retomada mais lenta de junho em diante.

De acordo com a experiência internacional, mesmo que o isolamento social seja seguido mais à risca, o impacto sobre a economia deve ser menor (-6,4% do IBC-Br em março 2021, contra -14,3% no choque de 2020).

Vacinação mais lenta do que o esperado

As dúvidas em relação ao ritmo de vacinação em abril alteram nosso cenário de vacinação da população de risco, podendo resultar em impacto sobre a economia até começo de junho, resultando em uma queda de -0,9% na atividade no segundo trimestre.

A retomada da atividade em 2021 deverá ser menos estimulada pelo gasto público e as condições monetárias e creditícias, quando comparada com 2020, resultando em um crescimento de apenas 2,0% do PIB no segundo semestre (contra o semestre anterior), o que deixaria a atividade econômica ao fim do ano apenas bem pouco acima daquela no final de 2019.

Essa fraqueza na recuperação tem sido a norma para os países com altos índices de morte pela Covid-19 e contrasta com força da retomada na maioria dos países na Ásia.

A fragilidade fiscal não permite agora o nível de apoio à economia dado em 2020, o que deverá ter impacto no emprego e no investimento. Diante da quebra do impulso no final do primeiro trimestre de 2021 e o cenário mais ambíguo no segundo trimestre, a demanda por programas de apoio governamental aumentou, mas não poderá ser respondida com a mesma amplitude do ano passado.

A nova leva de auxílio emergencial deverá se iniciar no dia 6 de abril, mas em valores bem menores do que em 2020 (25% do que se viu há um ano). A extensão do BEm (programa de proteção ao emprego formal) depende da resolução dos impasses criados pela expansão das emendas do relator na LOA 2021 e talvez necessite de créditos extraordinários. O aumento das emendas pode ser em grande parte vetado, mas a reelaboração do orçamento tomará algum tempo.

Os créditos extraordinários para o BEm e para a renovação de programas de crédito garantido, como o Pronampe, talvez exijam a declaração de estado de calamidade pública. Essa declaração não é trivial, mas permitiria o gasto ir para além do teto e, de acordo com a recente promulgada EC 109, uma série de medidas de conforto para o governo, inclusive a suspensão da regra de ouro.

Mas, independentemente de amarras legais, qualquer deriva injustificada do gasto disparará fortes reações do mercado, não só nos juros de médio e longo prazo, mas especialmente no câmbio, dificultando o trabalho de controle da inflação.

Assinale-se que a aceleração da normalização parcial da política monetária não prejudicará a atividade econômica e poderá contribuir para diminuir a volatilidade do câmbio, o compromisso de um aumento da Selic em 0.75 p.p. em maio tendo um importante papel em guiar as expectativas dos agentes econômicos.

Mas a ambiguidade fiscal e o cenário de recuperação anêmica devem limitar as chances de apreciação do real, influenciado também pela força do dólar em nível global, levando a inflação para bem acima da sua meta.

A expectativa de inflação em 2021 já está bem próxima de 5%, próximo ao limite superior da banda, e a depreciação da moeda continua a pressioná-la, mesmo que o arrefecimento da economia traga redução de subida de preços no setor de serviços e mesmo para alguns bens manufaturados.

Dessa maneira, mantido o dólar em nível próximo a R$ 5,50 ao fim do ano (R$ 5,30 era a previsão anterior), elevamos nossa projeção de IPCA de 2021 para 4,9% (ante 4,4% esperado anteriormente).

Apesar dos choques decorrentes da Covid-19 e dos dilemas orçamentários, a economia brasileira tem importantes fontes de resiliência e continuará auxiliada pelo ambiente global. O setor externo continua indo bem, com expectativa de permanência de alta nos preços das commodities. As empresas têm ainda diminuído seu endividamento externo. A própria dívida pública permanece em uma trajetória moderada ainda que suscetível a mudanças.

O crescimento econômico, especialmente nos EUA e na Ásia, aquecem o comércio internacional, como refletido na nossa balança comercial, que deverá ter superávit de US$ 72 bilhões, levando a uma conta corrente também positiva. Os fluxos de capital diminuíram, mas também as remessas de lucro.

Por seu lado, a dívida externa do setor privado não financeiro caiu de US$ 118 bilhões ao final de 2018 para US$ 97 bilhões ao fim de 2019 e apenas US$ 91 bilhões em dezembro de 2020, devendo essa tendência se manter até pelo atualmente baixo custo do dinheiro no Brasil.

No tocante à dívida pública, o chamado Teto do Gasto (EC 95) implicará redução da despesa a preços constantes na Lei Orçamentaria da União de 2021, comparada a 2019. Ou seja, por razões técnicas relativas ao indexador usado, a EC determina um impulso negativo além daquele decorrente do fim dos gastos extraordinários.

Assim, mesmo que também haja gastos extraordinários em 2021, e eles alcancem R$80 bilhões (1% do PIB) por conta dos R$ 44 bilhões do Auxílio Emergencial e da expectativa de renovação de programas tais como o BEm e Pronampe, a dívida pública tenderá a se manter estável.

A percepção dessa equação foi infelizmente perturbada pela manobra orçamentária envolvendo a redução artificial do valor fixado para as despesas obrigatórias e grande aumento do valor das emendas do relator (0.5% do PIB), ainda que algumas dessas emendas sejam contingentes a mudanças legislativas e outras reflitam a postergação de despesas para 2022 (abono salarial).

Vale notar que o resultado do Tesouro Nacional, assim como o do setor público consolidado publicado pelo Banco Central indicaram desempenho melhor do que o esperado em fevereiro (superávit de R$ 10 bilhões para estados e municípios, por exemplo), decorrente do bom comportamento das receitas tributárias, refletindo ainda atividade econômica no final do ano.

Esse comportamento deve ser, no entanto, acompanhado com atenção nos próximos meses, por conta dos efeitos de possíveis postergações de pagamento de impostos para aliviar as empresas afetadas pela piora da Covid-19, assim como pela desaceleração da economia discutida acima.

Em suma, com as perspectivas atuais, e mesmo com a desaceleração da economia, dificilmente o déficit primário do setor público ultrapassará em muito 3,0% do PIB, o que, mesmo com a subida gradual dos juros na esteira da inflação, permitirá que dívida buta permaneça com pouco aumento em relação a 2020.