Nos últimos, dias ficou claro que a única maneira de conter o crescimento no número de contaminados pelo coronavírus é a imposição de restrições drásticas à movimentação de pessoas. A adoção de quarentena, seja mandatória ou voluntária, já é uma realidade em diversos países e na semana passada já observamos o mesmo começando a acontecer no Brasil.

Diversas cidades já optaram pelo fechamento parcial do comércio, alguns governos decretaram medidas impositivas, e diversas empresas já anunciaram a paralisação temporária da produção. Escolas tiveram aulas interrompidas e apenas serviços essenciais seguem funcionando nas principais cidades. Assim, a atividade econômica já está bastante comprometida e o crescimento do PIB em 2020 ficará gravemente afetado.

Por conta desse ambiente, nossa equipe de Macroeconomia projeta que entraremos em recessão. Além disso, embora nossos especialistas acreditem em um início de recuperação ao longo do segundo semestre, quando (por sorte) começaremos a observar o controle do contágio, ainda assim o crescimento do PIB em 2020 será negativo.

Existe uma incerteza enorme em torno do tamanho da desaceleração, que vai depender da duração do período de confinamento das pessoas e fechamento dos estabelecimentos comerciais e empresas. Na última semana, nosso time de Macroeconomia realizou um ajuste nas projeções econômicas, reduzindo os valores esperados para PIB e inflação, e alterou a visão sobre a taxa de câmbio e taxa Selic.

A projeção para o PIB de 2020 foi reduzida de uma alta de 1,6% para um recuo de 0,3%. Esse cenário considera que entraremos em recessão no primeiro semestre do ano, ao considerar dois trimestres seguidos de contração do PIB. O primeiro trimestre, cujo desempenho já vem se mostrando enfraquecido, apresentará resultado ligeiramente negativo, uma baixa de 0,2% segundo nossos economistas, com a atividade sendo fortemente afetada pela pandemia agora em março. Mas é no segundo trimestre que devemos observar um choque maior e uma queda mais acentuada do PIB, de 1,0%.

Por fim, se formos bem sucedidos em conseguir controlar o contágio nos próximos meses, a atividade deve começar a se recuperar já no trimestre. Contribuem para esse cenário as diversas medidas de estímulo adotadas pelo governo, que até o momento já somam R$ 179,6 bilhões.

 

Contudo, tanto a velocidade esperada do crescimento no número de casos, quanto o tamanho das restrições de mobilidade podem levar nossa equipe de Macroeconomia a reduzir ainda mais a projeção de crescimento e, sendo assim, esse cenário está sob revisão, com claro viés de baixa.

Inflação
A drástica redução da atividade econômica resultará em uma variação ainda menor da inflação. A contração do PIB fará com que o nível de ociosidade da economia volte a aumentar e, mesmo considerando que a economia deve começar a se recuperar ao longo do segundo semestre, o hiato do produto deve se fechar apenas em 2023. Assim, a projeção para o IPCA em 2020 foi reduzida de 3,0% para 2,5%. Apesar da forte depreciação cambial, são poucos os setores que encontram espaço para repassar a alta do dólar aos preços, em um cenário de grave deterioração da economia.

 

Além disso, a queda da demanda e do preço de petróleo mais que compensarão a depreciação da taxa de câmbio, resultando em pressão deflacionária. Olhando à frente, a menor inércia desse ano também fez com que reduzíssemos a perspectiva para o IPCA em 2021, de 3,6% para 3,5%. Vale observar que esse cenário também pode ser alterado se o tamanho da contração do PIB for maior do que o considerado hoje.

Para  dar  algum  alívio  ao  mercado  de  câmbio,  o  BC  anunciou  a  realização  de  operações compromissadas  em  moeda  estrangeira,  que  têm  por  objetivo  dar  liquidez  em  dólar  para  os  bancos, o que representa algum alívio ao mercado de câmbio. São elegíveis os títulos da dívida pública mobiliária federal externa denominados em dólares. Na prática, as instituições financeiras podem vender esses títulos soberanos para o BC, com compromisso de recompra.

Adicionalmente, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano), reativou linhas de swap com nove bancos centrais, incluindo o Brasil, na tentativa de auxiliar o mercado de ativos. Entretanto, a taxa de câmbio deve continuar bastante pressionada, considerando as incertezas do cenário global e a atuação modesta do Banco Central na venda de reservas. Contudo, ainda esperamos alguma devolução da depreciação ao final do ano, com o dólar encerrando 2020 a R$ 4,50, contando com uma redução da aversão ao risco e alguma recuperação da economia global.

Selic
Nessa situação, na última quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC reduziu a taxa Selic em 0,5 ponto porcentual, para 3,75% ao ano, conforme esperado por nossos especialistas. As projeções de inflação recuaram em relação à divulgação anterior, permanecendo ainda mais abaixo da meta estipulada para 2020 (em 4,0%). Tanto no cenário híbrido, com a Selic do relatório Focus e dólar constante a R$ 4,75, quanto no cenário com Selic e dólar constantes a 4,25% e R$ 4,75, respectivamente, as projeções de IPCA estão em 3,0% para 2020 e 3,6% para 2021.

No entanto, apesar de reconhecer o impacto da pandemia do coronavírus, o Copom mostrou preocupação com a deterioração permanente da política fiscal e advertiu que "relaxamentos monetários adicionais podem tornar-se contraproducentes se resultarem em aperto nas condições financeiras". Assim, o Comitê declarou que "neste momento vê como adequada a manutenção da taxa Selic em seu novo patamar".

No entanto, pontuou que "reconhece que se elevou a variância do seu balanço de riscos e novas informações sobre a conjuntura econômica serão essenciais para definir seus próximos passos".

Apesar dessas indicações, nossa equipe de Macroeconomia entende que, até a próxima reunião do Copom, ficará mais claro que a piora do fiscal será apenas pontual e não estrutural, ao mesmo tempo em que haverá forte deterioração da atividade econômica e das perspectivas de crescimento ao longo do ano, com concomitante redução das projeções de inflação também para 2021.

Nesse cenário, nosso time acredita que o BC reconhecerá que existe espaço adicional para afrouxamento monetário, realizando novo corte de 0,5 ponto na taxa Selic já na reunião de maio, levando a taxa de juros a 3,25% ao ano. Vale ressaltar que, frente a uma surpresa ainda mais negativa com o cenário, não é descartada a possibilidade de que a taxa Selic tenha que ser ainda mais reduzida do que o esperado.

Além disso, em função da deterioração significativa do cenário em meio ao surto de coronavírus, enxergamos que a taxa de juros será mantida nesse nível mais baixo ao longo de todo o ano de 2020 e de 2021. Considerando que o hiato do produto (nível de ociosidade) deve se fechar apenas em 2023, de acordo com estas novas estimativas para a economia doméstica, um ciclo de normalização monetária deve ser iniciado apenas em 2022.