A escalada das preocupações com a disseminação do coronavírus e potencial impacto negativo sobre o crescimento global levou-nos a rever nosso cenário para a economia doméstica. Em um mundo com as cadeias de produção cada vez mais interligadas, o risco de desabastecimento de insumos em alguns setores pode prejudicar a já combalida produção industrial, embora parte desse efeito possa ser revertido ao longo do ano.

Contextualizando, a China é hoje o maior destino de nossas exportações. Em 2019, 28,1% das exportações brasileiras foram destinadas aos chineses. EUA, nosso segundo maior parceiro comercial, recebeu 13,2% de nossas exportações no ano passado.

Como abordaremos no texto a seguir, houve a paralisação da produção em diversas regiões e uma drástica diminuição no trânsito de pessoas na China durante o auge do surto. Além disso, mesmo com a queda significativa no crescimento do contágio dentro do território chinês, boa parte das atividades ainda não foi retomada, sugerindo uma forte contração do PIB chinês no 1T20. Além disso, avaliamos que essa queda não será totalmente compensada nos trimestres seguintes. Assim, hoje esperamos crescimento de 5,5% para o PIB chinês em 2020 (ante 6,0% projetado anteriormente).

De acordo com nossas estimativas, uma queda de 0,5 ponto percentual no crescimento chinês deve reduzir em 0,2 ponto percentual o crescimento do PIB no Brasil. Sendo assim, estamos reduzindo nossa projeção de crescimento em 2020 de 2,1% para 1,9%.

Por sua vez, esta revisão implica um tempo maior para o fechamento do hiato do produto e redução da capacidade ociosa. Nesse cenário, a evolução da inflação deve ficar ainda mais benigna e os núcleos ainda mais baixos. Dessa maneira, reduzimos também nossa projeção para o IPCA de 2020, de 3,6% para 3,5%.

Adicionalmente, esse ajuste leva a uma menor inércia para 2021, fazendo com que a projeção no próximo ano passe a ficar ligeiramente abaixo da meta, em 3,70%.

Com relação à política monetária, mantemos por ora o cenário de manutenção da taxa Selic em 4,25% até o segundo semestre de 2021. Por um lado, reconhecemos que os efeitos do surto de coronavírus sobre a economia tendem a ser deflacionários, apesar da forte depreciação cambial. Além do menor ritmo de crescimento da atividade e queda nos preços das commodities, nos últimos anos não temos observado o repasse da desvalorização do real para os preços em virtude do elevado nível de ociosidade.

Contudo, por outro lado, o Banco Central tem seguidamente enfatizado o peso crescente da inflação de 2021 nas decisões de política monetária, em um contexto onde as expectativas para o IPCA do próximo ano seguem ancoradas na meta de 3,75%.

Assim, acreditamos que apenas se observarmos uma deterioração do cenário a ponto de contaminar a percepção de inflação para o próximo ano a autoridade monetária poderia retomar o ciclo de queda na taxa de juros.

Continuaremos monitorando o cenário e a comunicação do Banco Central para avaliar a necessidade de ajustes nas projeções.

Por fim, importante observar que conheceremos o resultado do PIB do 4T19 na próxima quarta-feira, dia 4 e, sendo assim, a projeção de crescimento para 2020 pode ser mais uma vez ajustada a depender do número observado.

Impacto global

Pouco mais de um mês após as primeiras notícias a respeito do surto de coronavírus na China, ainda existe muita incerteza sobre os efeitos desse evento no crescimento chinês e global. Contudo, hoje parece bastante razoável admitir que a redução no crescimento da economia chinesa não será desprezível, puxando para baixo o crescimento do PIB mundial.

A economia chinesa já havia sido abatida pela gripe suína africana em 2019, dizimando boa parte do rebanho de suínos, o que afetou a disponibilidade e preço das proteínas no país, puxando a inflação fortemente para cima, reduzindo assim a renda disponível das famílias. Os efeitos dessa situação ainda são sentidos, uma vez que o tempo para a recuperação dos rebanhos é elevado. Adicionalmente, as tensões comerciais com os EUA também afetaram negativamente a economia chinesa no ano passado.

Mas a injeção de estímulos monetários e fiscais por parte do governo começou a mostrar resultados ao final de 2019 e, tudo o mais constante, deveria seguir amenizando os impactos sobre a atividade, fazendo com que a economia chinesa apresentasse crescimento próximo aos 6,0% em 2020. Adicionalmente, a assinatura de um acordo comercial parcial entre China e EUA no final do ano passado também havia melhorado a perspectiva de crescimento para ambas as economias já em 2020.

No entanto, a explosão do contágio pelo coronavírus levou a uma paralisação da produção em diversas regiões na China, restrições de mobilidade, afetando o consumo e a logística. E, mesmo agora com a drástica redução no crescimento no número de infectados no país, as atividades seguem em grande medida comprometidas, e parece seguro afirmar que o PIB chinês mostrará forte contração no 1T20. Ainda são poucos os indicadores disponíveis a respeito do desempenho da economia nos meses de janeiro e fevereiro, mas informações sobre o consumo de carvão e tráfego de passageiros sugerem que os efeitos negativos continuam.

Olhando à frente, existe a expectativa de que atividade na China mostre forte recuperação no 2T20 e 3T20, compensando, pelo menos em parte, as perdas no início do ano. Essa hipótese considera que, com a retomada da atividade e o retorno da circulação de pessoas, não teremos um novo crescimento do número de infectados no território chinês. Além disso, é esperado que o governo injete ainda mais estímulos na economia, tanto fiscais como monetários.

Entretanto, o setor de serviços deve ainda assim mostrar contração no ano, fazendo com que o efeito líquido sobre o crescimento chinês em 2020 seja negativo. Dessa maneira, esperamos agora que o PIB chinês cresça apenas 5,5% nesse ano (de 6,0% previstos antes do surto).

Considerando a importância da China na economia global, uma redução de 0,5 ponto percentual no crescimento chinês reduziria em cerca de 0,1p.p. o crescimento global. Os maiores prejudicados serão os vizinhos asiáticos, que têm fortes fluxos de turistas e comércio com a China, mas os efeitos certamente não ficarão restritos à Ásia.

Nessa semana, houve uma escalada significativa da tensão a respeito deste assunto, refletindo as preocupações com o crescimento do número de infectados fora da Ásia. Destaque para a Itália, que deve também ver seu crescimento negativamente afetado pela paralisação das atividades em algumas regiões do país. Essa preocupação levou os mercados a elevarem a probabilidade de que o Federal Reserve volte a cortar a taxa de juro nos EUA, apesar de os indicadores de atividade seguirem mostrando uma economia robusta.

Reconhecemos que com o crescimento do número de casos fora da Ásia, os riscos de os efeitos sobre o crescimento global serem maiores do que o antevisto atualmente se elevaram. Sendo assim, o Federal Reserve, a fim de evitar uma deterioração excessiva das condições financeiras, deve agir de maneira preventiva frente aos riscos de uma desaceleração global mais pronunciada e retomar o ciclo de afrouxamento monetário. Esperamos pelo menos dois cortes de 25 pontos base na Fed Funds Rate, levando a taxa de juros para o intervalo de 1,00 - 1,25%.

Embora, a princípio, o Fed pudesse preferir observar os efeitos sobre a atividade para embasar sua decisão, a evolução do contágio nos EUA deve levar a autoridade monetária a agir mais prontamente e cortar a taxa de juros já na reunião de 18 de março.

Importante reforçar que, como abordamos em nosso texto anterior, a redução do crescimento na China deverá impactar negativamente o crescimento do PIB brasileiro nesse ano, em 0,2 p.p., considerando a forte relação comercial entre os dois países.

Continuaremos monitorando os desdobramentos do surto de coronavírus no mundo e avaliando a necessidade de ajustes adicionais em nosso cenário.