A crise global decorrente do surto de coronavírus ganhou novos contornos essa semana. No final de semana anterior, a Arábia Saudita reduziu os preços do petróleo exportado pelo país e anunciou que pode aumentar sua produção de combustíveis.

Esses anúncios vieram após a parceria entre a Opep e a Rússia se romper, quando os países não conseguiram chegar a um acordo sobre cortes na produção para tentar sustentar os preços do petróleo diante da desaceleração econômica causada pela epidemia de coronavírus.

Como resultado, houve nova significativa deterioração do mercado de ativos, com concomitante aumento da aversão ao risco. O barril do petróleo tipo Brent chegou a cair mais de 30% num único dia e hoje encontra-se em US$ 34,40. Além disso, o crescimento ainda exponencial do número de contaminados fora da China preocupa e tem levado a paralisação de atividades e restrições na circulação de pessoas mundo afora.

Nesse cenário, diversos governos se prontificaram a agir e anunciar medidas para tentar compensar os impactos dessa situação sobre a atividade econômica, com destaque para medidas que procuram prover liquidez ao mercado com o objetivo de minimizar o risco de crédito.

Apesar disso, nossa equipe de Macroeconomia avalia que o risco de o crescimento global ser ainda mais reduzido é crescente e, nesse cenário, coloca um viés de baixa na projeção de alta do PIB brasileiro em 2020, hoje em 1,6%. O cenário de nosso time considera um primeiro semestre mais fraco, mas ainda assim com crescimento positivo, e uma recuperação mais forte no segundo semestre (com média de + 0,7% por trimestre).

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Contudo, se o PIB não apresentar crescimento no 1T20 e 2T20 e apresentar reação mais modesta no segundo semestre, o crescimento do PIB anual ficaria ao redor de 1,2%.

Projeção para inflação é reduzida novamente

Incorporando ao nosso cenário de inflação a hipótese de um preço médio de barril de petróleo mais baixo, mesmo considerando que haja uma recuperação em relação aos atuais patamares, reduzimos novamente nossa projeção de inflação para esse ano. Passamos a trabalhar com cenário base do preço médio do barril entre US$ 40 e US$ 45, ante projeção anterior de US$ 60 o barril.

Parte da mudança já havia sido incorporada na revisão do IPCA realizada na semana anterior, de 3,5% para 3,3%. Considerando agora que o reajuste médio da gasolina será negativo, projetamos IPCA em 3,0% apenas, ante projeção anterior de 3,3%. Vale dizer que esse número considera que alguns setores, como o de eletrônicos, possam repassar para o preço final parte da desvalorização cambial observada. Contudo, dado o peso desses itens dentro do IPCA, esse efeito nem de longe compensa os demais efeitos deflacionários.

Vale um breve comentário sobre o IPCA de fevereiro divulgado essa semana. O índice exibiu alta de 0,25%, acima do esperado por nós e pelo mercado (ambos com +0,15%). Contudo, o desvio de 10 pontos base (p.b.) observado entre o projetado por nós e o resultado oficial foi bastante concentrado no subgrupo "Higiene pessoal" (+ 9 p.b).

Desse modo, os núcleos subiram mais do que esperávamos, uma vez que incluem esse item em especial. A média dessas medidas avançou 0,31% em fevereiro, frente a 0,22% esperado. Vale pontuar, no entanto, que os núcleos permaneceram dentro da faixa sazonal e quando olhamos para aqueles que excluem variações extremas, como aconteceu no mês passado (médias aparadas com e sem suavização), essas medidas desaceleraram no mês.

Em doze meses, a média dos núcleos avançou de 2,98% para 3,08%, mas deverá voltar ao patamar anterior já no próximo mês, segundo nossa projeção. Assim, continuam sinalizando um comportamento ainda benigno da inflação.

Política monetária

Como reação a esse cenário de deterioração, a equipe econômica anunciou algumas medidas para lidar com o potencial problema de saúde pública e também tentar amenizar os efeitos negativos sobre a atividade econômica. São elas:

  • Destinação de R$ 5 bilhões para a área de saúde (via crédito extraordinário no orçamento);
     
  • Antecipação para abril do pagamento de R$ 23 bilhões referentes à parcela de 50% do 13º salário de aposentados e pensionistas do INSS;
     
  • Suspensão da prova de vida dos beneficiários do INSS por 120 dias;
     
  • Proposta de redução do teto dos juros do empréstimo consignado em favor dos beneficiários do INSS, bem como a ampliação do prazo máximo das operações;
     
  • Definição, junto ao Ministério da Saúde, de uma lista de produtos médicos e hospitalares importados que terão preferência tarifária para garantir o abastecimento;
     
  • Facilitação do desembaraço aduaneiro de produtos médicos e hospitalares.

Considerando esse cenário, a discussão sobre o afrouxamento da política monetária voltou nas últimas semanas e na semana passada alteramos nossa expectativa para a taxa Selic, considerando um corte de 50 pontos base (p.b.) na reunião do dia 18 de março e mais um corte de 25 p.b. em maio, levando a Selic para 3,50%.

Com a inflação bastante abaixo da meta em 2020 e se distanciando da meta em 2021 e risco de mais um ano com crescimento próximo a 1%, acreditamos que a autoridade monetária enxergará espaço para a redução da Selic.

Nesse sentido, alguns pontos merecem destaque. Como destacamos discutimos na semana anterior, o BC sinalizou que acredita que os efeitos da crise são deflacionários, apesar do câmbio. Os impactos baixistas sobre a inflação sejam diretos (via redução de combustíveis) ou indiretos (via queda de demanda) irão predominar sobre os efeitos altistas via choque de oferta e (eventual) repasse cambial em alguns poucos setores.

Além disso, em apresentação recente, o diretor Bruno Serra observou que a forte depreciação cambial observada nas últimas semanas não parece ser explicada pelo diferencial de juros do Brasil com os EUA. Na prática, esse diferencial deve até se ampliar se confirmarmos a expectativa de queda da taxa básica de juros dos EUA para próximo a zero já na próxima semana.

Adicionalmente, Serra lembrou que existe uma separação entre a política monetária e cambial. Esses pontos listados acima deveriam levar o BC a um corte mais agressivo na próxima reunião. Contudo, é fato que o BC tem mantido uma postura cautelosa, mesmo após uma clara deterioração do cenário externo e global. Além disso, olhando para o balanço de riscos, o Copom tem destacado como risco altista a "deterioração do cenário externo para economias emergentes" e uma "eventual frustração em relação à continuidade das reformas e à perseverança nos ajustes necessários na economia brasileira."

Assim, tanto a desvalorização do câmbio quanto o risco de termos uma piora nas contas públicas (exemplo a surpresa essa semana com a derrubada do veto presidencial à medida que estendeu o acesso ao BPC, com custo estimado próximo a R$ 20 bilhões por ano), podem levar a autoridade monetária a optar por um corte menor, de 25 p.b. na semana que vem.