O Banco Central (BC) divulgou na semana passada a ata de sua última reunião de política monetária, detalhando os principais pontos destacados no comunicado divulgado após a decisão, e também o relatório de inflação (RTI) do segundo trimestre, apresentando suas previsões para o cenário macroeconômico.

As projeções do BC, na visão do time de Macroeconomia do Banco Safra, são consistentes com a expectativa de novos cortes na taxa de juros, apesar de o Copom destacar que considera "apropriado avaliar os impactos da pandemia e do conjunto de medidas de incentivo ao crédito e recomposição de renda, e antevê que um eventual ajuste futuro no grau de estímulo monetário será residual."

Esse conjunto de informações leva nossa equipe a esperar que o Copom continue afrouxando a política monetária, mas em menor velocidade, dada a necessidade de se agir com cautela em um momento em que vivenciamos taxas extremamente baixas e nos aproximamos do final do ciclo.

Assim, nossos especialistas mantêm a projeção para a Selic e esperam mais três reduções de 0,25 ponto porcentual, levando a Selic a 1,50%. Além disso, não esperam elevação da taxa de juros em 2021. Veja a seguir a análise dos principais pontos da ata do Copom e do RTI.

Atividade econômica

Respondendo ao cenário de pandemia, o BC reduziu sua projeção para o PIB de 2020, que passou de 0,0% no RTI do 1T20 para -6,4% nesta divulgação, cenário mais negativo que a queda de 5,7% projetada por nossa equipe de Macroeconomia, com fortes recuos de indústria e serviços (pelo lado da oferta) e consumo das famílias e investimentos (do lado da demanda).

A princípio, essa projeção mais negativa contrasta com o risco que o BC tem levantado de que os programas de estímulo creditício e de transferência de renda podem fazer com que a redução da demanda agregada seja menor do que a estimada.

Entretanto, na apresentação do relatório, o diretor do BC Fábio Kanczuk revelou que essa projeção tem viés altista. Assim, a "barra" para alguma frustração com a atividade que deixaria o BC confortável em seguir com a flexibilização da política monetária parece ser menos alta do que a projeção oficial sugere.

O relatório exibiu de maneira mais detalhada quais os indicadores que têm ajudado o BC na avaliação da atividade econômica nas últimas semanas, como indicadores de mobilidade, informações extraídas da emissão de notas fiscais, dados sobre o faturamento do varejo provenientes de empresas de cartão de crédito e consumo de energia.

Como os indicadores oficiais de atividade são divulgados com alguma defasagem, a observações desses novos dados da alta frequência ajuda a verificar o desempenho da indústria e varejo na ponta.

De fato, é possível observar uma pequena retomada em alguns setores. Contudo, a recuperação que devemos observar no segundo semestre deve ser bastante gradual, apesar da extensão do pagamento do auxílio emergencial. Embora o pagamento desse benefício contribua para compensar parte da perda da massa salarial, ainda assim é insuficiente para manter o nível da demanda agregada, se considerarmos a forte elevação do desemprego que ainda deveremos observar.

Sobre esse tema, o RTI trouxe um estudo que procurou "mensalizar" a medida de desemprego divulgada pela PNAD Contínua. A metodologia utilizada pelo IBGE produz, na realidade, médias trimestrais para os dados que são apresentados mensalmente. Apesar de ser mais robusta, essa metodologia acaba suavizando variações mais fortes de um mês para o outro.

Assim, a conclusão foi que a taxa de desemprego atingiu 12,7% em abril, ante 12,4% em março e 11,1% em fevereiro. Além disso, a elevação poderia ter sido muito maior caso a força de trabalho não tivesse sido afetada pela impossibilidade de se procurar emprego, o que levou a uma queda de 2,4% da força de trabalho em março e 6,4% em abril.

Vale observar também que o Copom tem destacado que "a elevação abrupta da incerteza sobre a economia deve resultar em aumento da poupança precaucional e consequente redução significativa da demanda agregada".

Dessa maneira, o cenário que se desenha à frente é de retomada bastante gradual. Embora o avanço da reabertura da economia deva permitir a recuperação mais acelerada dos principais setores afetados pela quarentena, o elevado grau de incerteza com relação à continuidade da pandemia e o aumento do desemprego devem colocar freios nesse processo.

Crescem empréstimos a empresas

O BC revisou também seu cenário de crescimento do saldo de crédito de 4,8% para 7,6% em 2020, ao reduzir a estimativa para a variação no saldo dos créditos destinados a pessoas físicas, de 7,8% para 5,8%, e aumentando de maneira expressiva a variação no saldo dos empréstimos às pessoas jurídicas, de 0,6% para 10,0%.

A previsão busca refletir o comportamento precaucional ante o aumento das adversidades impostas pela pandemia da Covid-19 e a maior necessidade de caixa de muitas empresas decorrente da queda nas vendas.

Os dados do mercado de crédito divulgados no dia 26 pelo BC mostraram avanço de 0,3% em maio com relação a abril e crescimento de 9,3% em 12 meses. O crescimento foi resultado da aceleração interanual do saldo com pessoas jurídicas de 9,5% para 10,3%, que compensou a desaceleração do saldo a pessoas físicas, que passou de 9,7% para 8,5% no mesmo período.

Esses dados confirmam os efeitos da crise sanitária da Covid-19 sobre o mercado de crédito, que resultou em sensível retração da concessão às famílias, com destaque ao cartão de crédito e financiamentos de veículos, acompanhada de forte alta das renegociações. De outro lado, houve avanço das concessões às empresas, que voltaram a recorrer mais fortemente ao crédito bancário em detrimento do mercado externo e de capitais.

Apesar de achar que a contração do PIB e da renda terão impacto bastante relevante no saldo de crédito em 2020, a projeção do Banco Safra de crescimento de 4,9% do saldo neste ano está sob revisão, com viés de alta.

Fraqueza da inflação

O RTI trouxe, além das projeções condicionais de inflação já divulgadas na semana passada pelo Copom (considerando os cenários de referência e o híbrido, com taxa de câmbio constante em R$ 4,95/US$ e Selic conforme relatório Focus), os cenários de mercado (com câmbio e Selic conforme o Focus) e o cenário híbrido com Selic constante e câmbio flutuante conforme o Focus.

Nossos especialistas destacam que as projeções para o IPCA em todos os quatro cenários para 2021, horizonte relevante para política monetária, ficaram entre 0,50 a 0,75 ponto abaixo da meta de inflação estabelecida pelo BC para o próximo ano (3,75%), reforçando o contorno de relaxamento monetário extraído das projeções.

Vale destacar que o BC destacou um novo conjunto de núcleos no qual depositará mais atenção para avaliar o cenário de inflação. São eles EX-0, EX-3, MS e DP, além da criação de um novo núcleo, o percentil 55 (P55). Esse novo núcleo tem comportamento similar aos seus pares citados acima, não alterando significativamente assim a nova média, que atingiu na última observação 2,21% em nítida tendência baixista iniciada no 1T20.

Em estudo intitulado "Cenários alternativos de projeção de inflação: impactos de choques de demanda e de oferta", o RTI mostrou um cenário assimétrico altista de riscos a inflação, em que um choque de demanda poderia reduzir a inflação de 2021 em 0,2 ponto, enquanto um choque de oferta poderia elevar o IPCA do próximo ano em 0,9 ponto.

O exercício proposto pelo BC, construído a partir do cenário híbrido com trajetória para a taxa de juros extraída da pesquisa Focus de e taxa de câmbio constante em R$4,95/US$, traçou duas trajetórias para caminhos opostos.

De um lado simulou um choque de demanda, baseado em um retorno mais lento do choque recente no grau de incerteza econômica, que, ao desestimular a atividade econômica, gerou efeito de reduzir as projeções de inflação. Por outro, supôs um choque de oferta causado por elevação nos preços do petróleo, levando a um aumento das projeções de inflação.

Apesar de já descrito no texto, o próprio diretor Fábio Kanczuk ressaltou na coletiva que esses cenários foram uma tentativa de evidenciar a incerteza envolvida nas projeções de inflação, não uma mensagem ao mercado.