O mundo passa por uma de suas maiores crises sanitárias e econômicas. Ainda que autoridades em todo o planeta tenham buscado mitigar os efeitos da pandemia de coronavírus sobre a atividade, um cenário de recessão global se tornou praticamente inevitável.

Para entender os desdobramentos da crise, o Safra vem propondo uma série de conversas com especialistas de diversos campos. Desta vez, convidamos Ricardo Negreiros, diretor da Safra Asset Management, e Mauricio Hazzan, diretor de investimentos do Safra Private Banking, a apresentarem visões para investimentos em meio às incertezas do momento.

Das dificuldades fiscais que podem se agravar no pós-crise, às distorções de preços que abriram oportunidades no mercados, nossos especialistas abordaram as principais questões que devem influenciar os investimentos a partir de agora. Veja a seguir alguns destaques e, ao fim, o bate-papo na íntegra.

Ano perdido?

As perspectivas para o Brasil, lembrou Hazzan, no início do bate-papo, eram bastante positivas antes da crise. Como exemplo, ele cita as máximas atingidas pelo Ibovespa, principal índice de ações do país. "Seis circuit breakers depois, esse ambiente mudou", observa, perguntando se seria cedo para considerar 2020 um ano perdido.

Na visão de Negreiros, o ano não deve ser descartado. Ele diz enxergar uma luz no fim do túnel para a economia, e destaca que, diferentemente de 2008, o setor financeiro está menos alavancado. O gestor cita ainda a coordenação da sociedade e do governo como pontos positivos.

Ele afirma, no entanto, que não se sabe ainda quando e como virá uma recuperação. Isso fica claro, diz, em conversas com virologistas e epidemiologistas de todo o mundo. "Ninguém sabe o que vai acontecer com o vírus".

Há também as dificuldades de projetar como será o cenário a partir do momento em que as restrições impostas pelos governos forem relaxadas. Ele entende que, mesmo que o isolamento social dure três semanas, o consumo deve levar em torno de três meses para voltar a níveis mais normais.

Medidas de estímulo

Outro ponto abordado foi a efetividade das medidas de estímulo adotados pelo governo e pelo Banco Central, e o custo fiscal delas. Negreiros calcula que o resultado primário do país deve ser um déficit de 10%. A projeção da gestora antes da crise era de 1,2%.

"A maior parte vem da queda de arrecadação, não são apenas os gastos do governo", diz. "Mas, neste momento, isso (o estímulo fiscal) é extremamente importante, o mercado entende bem e dá boas-vindas a um estímulo mais forte por parte dos governos. Principalmente porque não é autoinfligida essa crise."

No total, o diretor da gestora acredita que, no mundo, o gasto fiscal deve representar 3% do PIB global.

Já Hazzan destaca que a proporção da dívida pública sobre o PIB no Brasil deve sair de 75% para 90%. Nos Estados Unidos, essa relação deve subir a 120%.

Para Negreiros, essa expansão fiscal vem sendo entendida pelos investidores como algo temporário, que deve ser corrigido após a superação da crise. Prova disso é o comportamento dos juros de longo prazo no Brasil, explica. "Houve alguma volatilidade na curva longa, mas muito menor que em outros momentos. No passado, se dissesse que o déficit fosse de 1% para 10%, imagina quanto isso não abriria a curva longa."

Gestão de portfólio

A rápida mudança de direção no preço dos ativos a partir de fevereiro gerou fortes prejuízos no mercado. O Ibovespa, por exemplo, chegou a perder quase metade do valor em menos de dois meses. O que impediu perdas dessa magnitude no Safra Galileo, principal fundo da casa, foi a agilidade em refazer os modelos e identificar que os impactos do coronavírus seriam relevantes, conta Negreiros

Ele afirma que a gestora estava com projeções corretas no início do ano, e que a pandemia, que ele classifica como um "meteoro", não tinha como ser contabilizada. A partir do momento que o imprevisto foi identificado, o time de gestão buscou prever os impactos da doença sobre o comportamento das pessoas e as reações das autoridades.

"Aconteceu um imprevisto no meio do caminho, mas não podíamos perder meio segundo nos lamentando", diz. "Se os fatos mudam, mudamos a nossa cabeça. Até pela responsabilidade de proteger o patrimônio de nossos clientes."

Diversificação e oportunidades

Sobre o comportamento dos preços durante a crise, Hazzan assinala que muitos ativos considerados defensivos, como títulos públicos e ouro, que protegem os retornos em tempos de volatilidade, também sofreram nas últimas semanas.

Negreiros concorda, destacando que em momentos de crise a correlação fica maior entre eles. "Vimos algumas proteções não funcionarem como deveriam", aponta. "Mas não podemos nos prender a isso", diz, destacando que a equipe de gestão busca reavaliar a carteira constantemente para entender o que está dando certo e errado, otimizando a relação entre risco e retorno.

Como oportunidades, ele aponta que as taxas de juros estão descoladas da realidade de inflação baixa no país. Isso pode gerar lucros antes mesmo do vencimento dos papéis, já que o preço desses títulos sobe quando a taxa de juros cai.

Na classe de crédito privado também existem investimentos atrativos, diz Negreiros. Isso porque as taxas pagas em títulos de grandes empresas subiram, mais por conta da falta de compradores do que pela elevação do risco de calote.

Bons negócios também podem ser encontrados no mercado de ações, afirma o gestor. "A Bolsa está extremamente descontada hoje", diz.

Alguns setores devem ter desempenho melhor. Ele destaca o setor de tecnologia como mais interessante no momento, mas menciona também bancos e construtoras. As oportunidades estão tanto no Brasil, quanto nos Estados Unidos, onde o mercado deve se levantar em menos tempo, comenta. Negreiros avalia que a estabilização do número de casos de coronavírus aqui e nos EUA vai representar um ponto de compra forte.

Veja abaixo a conversa na íntegra: