A crise do coronavírus está longe de ser relevante em termos de preços dos ativos financeiros, que não refletem a incerteza atual, na avaliação do sócio e fundador da gestora Adam Capital, Marcio Appel. Em conversa ao vivo, o gestor recomendou equilíbrio nos portfólios, já que o momento exige que eles sejam pensados para diferentes cenários.

Appel disse que ainda acredita que a realização observada no mercado especialmente em março, que marcou o pior mês desde 2008, “ainda foi muito modesta”. Ele reforçou que o Brasil deve ter a maior contração do PIB desde a crise de 1929 e que os preços antes da pandemia estavam inflacionados, à medida que investidores desconsideravam “qualquer tipo de notícia negativa”.

O gestor reforçou que muitos veem qualquer queda nos preços como oportunidade de compra, o que nem sempre é verdade, especialmente no caso da Bolsa brasileira, na sua avaliação. Confira os principais pontos da conversa com o diretor de investimentos do Safra, Mauricio Hazzan.

Recuperação econômica

Appel acredita que a recuperação da economia não deve ser rápida, especialmente devido ao forte impacto na renda do consumidor e à perda na capacidade de investimento das empresas. São “sequelas que vão tornar a recuperação mais complicada que em uma crise puramente financeira, como tivemos no passado”, disse.

Em relação aos estímulos anunciados pelo governo até agora, o gestor avaliou que tanto a equipe econômica quanto o Banco Central estão na direção certa. O Federal Reserve (Fed, o banco central americano), por outro lado, tem pecado mais, “extrapolando e entrando no mercado de crédito de maneira mais direta, o que é um risco”. 

Questionado sobre a compra de títulos pelo Banco Central, que está em discussão na chamada PEC do “Orçamento de Guerra”, Appel destacou achar arriscada a compra de títulos de crédito por parte da autoridade monetária, o que “abre uma porta” delicada no futuro.

Bolsa

Appel apontou que, em um horizonte de longo prazo para investimentos, investir na Bolsa americana representa uma chance pequena de perda de capital. O mesmo não é verdade para as ações brasileiras. Aqui, a Bolsa não tem “essa história de consistência de retorno ao longo do tempo”, mesmo com objetivos de longo prazo. Entre os papéis locais, contudo, destacou a performance da Vale.

“A queda da taxa de juros foi uma desculpa para alocar em risco levando pouco em consideração o nível de preços”, afirmou Appel. Para ele, as medidas de isolamento social devem perdurar no país até o final de maio, embora exista muita incerteza e o momento exija uma “posição equilibrada, capaz de ganhar em cenários bastante distintos, porque hoje você tem uma visibilidade muito pior do que tinha antes”.

Câmbio e taxa Selic

Para o gestor, o câmbio deve ter dificuldade de continuar a trajetória de alta no patamar atual, perto de R$ 5,20, devido à queda na atividade doméstica como resultado dos impactos do coronavírus.

Appel aponta que o patamar da Selic, atualmente em 3,5%, não é determinante para os investimentos, já que o impacto da economia vem da saúde. Por isso, reduzir a taxa de juros neste momento poderia ser até contracionista, já que não estimula investidores, mas diminui a renda dos “rentistas”, pessoas que vivem de renda.

Eleições americanas

O fundador da Adam Capital afirmou ainda que o atual cenário que tem se desenhado para as eleições americanas, que deve ter um enfrentamento entre o democrata Joe Biden e o republicano Donald Trump, tornou o evento menos relevante. Antes, a grande preocupação era uma vitória do democrata da ala mais progressista Bernie Sanders, que desistiu da disputa ainda nas primárias do partido.

Confira abaixo a conversa completa.