O varejo de moda é um dos setores mais afetados pela pandemia de coronavírus. No Brasil, companhias como Riachuelo, C&A, Zara e Marisa vêm enfrentando uma série de obstáculos para atravessar a paralisação da economia.

Empresa com maior receita nesse setor, as Lojas Renner chegaram a fechar, em meados de março, todas suas quase 600 unidades físicas pelo país, incluindo as divisões Camicado, que atua no segmento de casa e decoração, e Youcom, com foco no público jovem.

Para falar sobre esse cenário, o Banco Safra conversou nesta quarta-feira, 27, com o presidente do grupo gaúcho, Fábio Faccio. O executivo, que trabalha há mais de 20 anos nas Lojas Renner, mostrou as soluções encontradas para contornar as atuais dificuldades e explicou os procedimentos adotados pela companhia desde a eclosão da pandemia.

Hoje, quase 30% das lojas da empresa estão funcionando nos locais em que as autoridades liberaram o reinício das atividades, e onde a companhia julga haver condições seguras de funcionamento e de atendimento hospitalar.

“Não existe dicotomia entre preservar saúde ou preservar economia, as duas coisas estão unidas”, diz Faccio, que está em seu segundo ano à frente da empresa. Ele afirma também que as opções hoje não se resumem a apenas abrir ou fechar tudo.

Em um primeiro momento, o melhor é fechar os estabelecimentos para reorganizar as operações, explica. Já em um segundo momento, com medidas de segurança já implementadas, é possível que uma retomada seja iniciada de forma gradual.

Ele diz que, com base no que vem acontecendo no exterior, a empresa espera uma recuperação mais rápida em seu segmento do que na economia em geral. Mesmo assim, o desempenho das operações neste momento vem surpreendendo positivamente.

As vendas na loja de departamentos estão 60% acima do que a administração planejava para este momento, conta o executivo, apesar do movimento reduzido nas unidades para atender às normas sanitárias. Segundo ele, isso ocorre porque o movimento gerado por pessoas que apenas olham os produtos, sem comprar, praticamente não existe hoje.

“Ninguém vai sair de casa para passear no shopping. As pessoas estão saindo quando elas precisam comprar. Isso reduz o fluxo, mas a taxa de conversão é quase 100%, quando normalmente gira em torno de 25%.”

Aperto de margem

Fábio Faccio reconhece que é impossível mitigar todos os impactos negativos provocados pela pandemia. Uma das dificuldades hoje, aponta, é a leve queda nas margens de venda. “Alguns players têm estoques elevados e falta de caixa; vemos um ambiente comercialmente mais agressivo”.

Conta a favor da Renner um modelo operacional ágil, afirma. “Isso fez com que a gente entrasse na crise com um estoque bastante enxuto e muito jovem”, diz. “Temos itens que demandamos de 3 a 6 meses antes, principalmente importados; mas temos itens que demandamos só 30, 15, 10 dias antes”.

O relacionamento próximo com os fornecedores também ajuda a ajustar o fluxo produtivo ao cenário de demanda reduzida e evitar estoques excessivos. O grupo vem apoiando sua cadeia ao não cancelar encomendas já firmadas e, em alguns casos, antecipar recebíveis a taxas menores do que o usual.

Comércio digital

Se a crise ameaça a sobrevivência de alguns negócios, por outro lado, novas frentes vêm se desenvolvendo com muito mais rapidez do que ocorreria em um ambiente normal. “Cada dia está valendo por um mês.”

Faccio cita como exemplo o ship from store, em que o produto é enviado da loja diretamente para a casa dos clientes. O modelo já tem relevância em 70 unidades da Renner, sem contar nas outras marcas do grupo. Esse número deve chegar a 180 nas próximas semanas, algo que antes estava previsto apenas para o final deste ano.

Nesse cenário, ele ressalta a aceleração do e-commerce, acima do que se esperava. Hoje a participação das vendas online fica entre 40% e 50%, a depender do dia, conta o executivo. Essa proporção se deve em parte pelo fechamento da maioria das lojas físicas, mas ele prevê que ela “será sem dúvida maior do que era.”

Braço financeiro

As vendas no varejo dependem bastante de crédito no país, lembra Faccio. Com o inevitável impacto da crise na renda dos consumidores, o grupo, que concentra as operações de financiamento na subsidiária Realize, reduziu em cerca de 65% as taxas cobradas no rotativo de seus cartões.

E, seguindo o movimento das principais instituições financeiras do país, a companhia elevou as provisões diante do aumento do risco de inadimplência. A medida resultou em uma queda de quase 80% no resultado da companhia com produtos financeiros no primeiro trimestre de 2020, o que contribuiu para a queda de 94% do lucro líquido no período. Apesar desse impacto contábil, o presidente da Renner ressalta que a decisão é necessária, “uma espécio de seguro” para eventuais turbulências.

Veja abaixo o bate-papo completo: