A política monetária brasileira vem implementando sucessivos recordes de baixa na taxa Selic, a taxa básica de juros da economia. Atualmente em 2,25% ao ano, há um intenso debate no mercado sobre os próximos passos do comitê. Para o nosso time de Macroeconomia, há espaço para mais três novos cortes, ainda que em ritmo mais gradual, levando os juros a 1,5% ao ano em outubro.

Para trazer mais clareza a este cenário, nossa economista Priscila Deliberalli conversou nesta sexta-feira em live promovida pelo Safra com o diretor de política econômica do Banco Central, Fabio Kanczuk. Ele é membro votante das decisões de política monetária do Copom. Embora não tenha participado da última reunião, Kanczuk participou da elaboração do material de apresentação que foi discutido na reunião.

Selecionamos, abaixo, alguns dos principais trechos da conversa. No final deste conteúdo, você também pode conferir o vídeo da conversa na íntegra.

Inflação projetada vs inflação esperada

Entender as decisões de política monetária do Banco Central tem muito a ver com entender os cenários projetados de inflação. Isso porque a autoridade monetária possui um mandato no qual, todos os anos, deve perseguir uma meta de inflação. E o foco agora tem se tornado cada vez mais a inflação de 2021, que tem como centro da meta o patamar de 3,75%.

No Relatório Trimestral de Inflação publicado na semana passada, foi apresentado um cenário-base no qual o Banco Central trabalha com uma projeção de inflação em 3,2%, portanto, abaixo do centro da meta.

Kanczuk explicou que este é o cenário-base, mas tem viés de alta, uma vez que não necessariamente é o cenário esperado. Ele lembrou que o Banco Central discute diversas realidades possíveis para a economia. Um desses cenários, por exemplo, é uma retração menor do PIB e os programas emergenciais de transferência de renda se traduzirem em uma queda menos acentuada na demanda, o que levaria a uma inflação sensivelmente acima dos 3,20% do cenário-base. “Quando eu misturo esses cenários, com as probabilidades que estou imaginando, então tenho uma inflação muito próxima da meta”, afirma.

Uma eventual segunda onda de contaminações, por exemplo, que é um tema cada vez mais presente nos Estados Unidos, não está contemplada no cenário-base.

Copom de agosto

A próxima reunião de política monetária está agendada para os dias 4 e 5 de agosto. Kanczuk explicou que o foco das discussões, neste momento, deve estar em indicadores de atividade econômica

Segundo o diretor do Banco Central, essa é uma mudança em relação às reuniões anteriores. Em um primeiro momento, o foco esteve nas métricas de liquidez. Em seguida, passou a ter como ponto central a avaliação do tamanho da crise e qual seria a resposta proporcional em termos de política monetária. “O Copom está muito mais de olho nos dados de atividade do que esteve nos meses anteriores”, conclui.

Para Kanczuk, um dos principais questionamentos do momento diz respeito à velocidade da recuperação: se ela irá representar uma volta rápida e firme (recuperação em “V”, no jargão do mercado), ou se ela retorna firme a princípio e em seguida apresenta um comportamento mais suave.

A velocidade da recuperação será uma discussão que ganhará ainda mais relevância ao longo do tempo, segundo o diretor do BC. Isso porque o cenário ainda é de incertezas sobre como a atividade e o consumo irão reagir aos diversos choques e estímulos enfrentados nos últimos meses no Brasil e no mundo.

Os indicadores de atividade são importantes para a avaliação do Banco Central porque eles possuem efeitos com defasagem nos índices de preços. Deste modo, a atividade atual pode se traduzir em reflexos no cenário para a inflação de 2021, que tem sido um foco de atenção cada vez maior para as decisões de política monetária.

“Lower bound”

Conforme a taxa de juros alcança novas mínimas históricas, cresce também o debate entre os agentes do mercado sobre a existência de um limite para novas reduções, conhecido como “lower bound”. “A questão do limite de queda nos juros foi um tema muito debatido na reunião anterior, a impressão deste comunicado é que também houve a discussão, mas talvez menos intensa, porque a discussão passou a ser a atividade antes de qualquer coisa”, afirma Kanczuk.

O “lower bound” não é um patamar fixo e pode sofrer alterações ao longo do tempo. Kanczuk explica que na reunião de maio o câmbio estava em um patamar sensivelmente mais elevado, e a decisão sobre a taxa Selic precisava levar em conta potenciais efeitos negativos sobre a moeda e os balanços das empresas. Desde então, no entanto, o câmbio retornou a patamares mais baixos. Como já foi testado esse limite superior e não houve problemas na economia, o BC agora tem mais tranquilidade sobre esse ponto.

O diretor do BC também mencionou outro potencial reflexo contraproducente dos juros baixos, que seriam os impactos na indústria de fundos e uma eventual saída de recursos. “Monitoramos isso com frequência diária e não vemos problema nenhum na indústria de fundos, mas é algo que deve ser monitorado e feito com cautela”, afirma.

Programa de compra de ativos

Com a crise do novo coronavírus, diversas medidas emergenciais têm sido colocadas em prática pelo governo para apoiar a economia. Uma das ferramentas à disposição é a possibilidade de o Banco Central comprar ativos no mercado secundário, semelhante ao que outros bancos centrais ao redor do mundo já fazem.

O programa ainda não iniciou, mas Kanczuk explica que “o Banco Central está completamente pronto para intervir tanto no mercado de títulos públicos como no mercado de títulos privados e debêntures”. Do ponto de vista legal, não é preciso aprovar nenhuma legislação ou implementar alguma regulação.

O objetivo com esse programa, segundo o diretor do BC, não seria apoiar a política fiscal ou monetária, mas corrigir eventuais disfuncionalidades no mercado, assim como ocorre no câmbio. No momento, não há essa preocupação.

Kanczuk explicou que os países estão se preparando para atuações como essa, uma vez que o aumento expressivo no déficit primário com as medidas de enfrentamento à crise irão resultar em emissões de dívida, então é preciso monitorar como o mercado reagiria a uma colocação expressiva de títulos públicos.

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