Na semana passada, o Comitê de Política Monetária (Copom) cortou a taxa Selic em 0,75 ponto porcentual, para 2,25% ao ano, novo mínimo histórico. A decisão confirmou a expectativa da nossa equipe de Macroeconomia e o consenso de mercado.

O comunicado divulgado após a reunião destacou novos pontos de preocupação discutidos pelos dirigentes e sugeriu que existe um elevado grau de incerteza sobre o cenário. Além disso, o documento indicou haver espaço para ajustes residuais na política monetária, sinalizando de maneira mais acentuada que a esperada pelo time do Safra a possibilidade de continuidade do ciclo de afrouxamento.

Na leitura de nossos especialistas, as mensagens do comitê, combinadas à ausência de menções sobre a existência de um limite de efetividade na política monetária, sugerem que o Copom reconhece o elevado grau de incerteza sobre o cenário, podendo levar à continuidade do ciclo de afrouxamento.

O forte impacto negativo da pandemia sobre a atividade deverá produzir taxas de inflação significativamente abaixo das metas tanto em 2020 como em 2021, mesmo se considerarmos cortes adicionais da taxa de juros. E, por conta de estarmos em território desconhecido, o comitê sinalizou que movimentos adicionais, se adotados, serão graduais.

Assim, nossa equipe de Macroeconomia reduziu a expectativa com relação à taxa Selic nos próximos meses, passando agora a esperar que o juro alcance 1,50% ao ano. O ritmo da redução deverá ser menor, de 0,25 ponto nas reuniões de agosto, setembro e outubro.

Veja abaixo os principais pontos apresentados no comunicado do Copom, segundo nossos analistas.

  • O Copom continua destacando que o cenário para as economias emergentes segue desafiador, em face da "desaceleração pronunciada do crescimento global" (...) "apesar da provisão adicional significativa de estímulos fiscal e monetário pelas principais economias, e de alguma moderação na volatilidade dos ativos financeiros ".
     
  • Reconheceu que a contração da atividade econômica no segundo trimestre deve ser significativa, mas que "prospectivamente, a incerteza permanece acima da usual sobre o ritmo de recuperação da economia ao longo do segundo semestre deste ano". Como veremos mais à frente, os dados sobre os setores de varejo e serviços em abril confirmam o cenário de forte queda no PIB em 2020.
     
  • O balanço de riscos mais uma vez destacou, para um lado, o risco do excesso de ociosidade (que pode ser acentuado por conta da pandemia) e, por outro lado, a preocupação com a trajetória fiscal (risco também acentuado pela crise atual). Contudo, o balanço de riscos passou a incorporar a preocupação por parte do comitê de que "os diversos programas de estímulo creditício e de recomposição de renda, implementados no combate à pandemia, podem fazer com que a redução da demanda agregada seja menor do que a estimada, adicionando uma assimetria ao balanço de riscos", podendo pressionar a trajetória para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária. Como destacaremos a seguir, em nossa opinião esse risco parece ser bastante baixo.
     
  • Com relação às projeções condicionais para a inflação, o cenário de referência, com taxa Selic constante em 3,00% e taxa de câmbio de R$ 4,95/US$, a projeção condicional da inflação em 2020 foi reduzida de 2,3% para 1,9% e, para 2021, passou de 3,2% para 3,0%. Já o cenário condicional “híbrido”, com taxa de câmbio constante (R$ 4,95/US$) e trajetória de taxa de juros da pesquisa Focus, produziu projeção de inflação de 2,0% para 2020 (antes, 2,4%), e, em 2021, a projeção foi reduzida de 3,4% para 3,2%. Essas previsões indicam haver ainda espaço para flexibilização monetária.
     
  • Sobre o cenário prospectivo, "o Comitê vê como apropriado avaliar os impactos da pandemia e do conjunto de medidas de incentivo ao crédito e recomposição de renda, e antevê que um eventual ajuste futuro no atual grau de estímulo monetário será residual. No entanto, o Copom segue atento a revisões do cenário econômico e de expectativas de inflação para o horizonte relevante de política monetária”.

Atividade e inflação

Na última semana conhecemos os dados sobre o desempenho do varejo e setor de serviços em abril. Embora o desempenho de setores com grande peso no PIB de serviços tenha sido extremamente negativos, o resultado do varejo ampliado foi menos negativo que o esperado. Dessa maneira, nossa equipe de Macroeconomia mantém por ora as projeções para o PIB no 2T20 (-9,3% na margem descontados os efeitos sazonais) e no ano (-5,7%).

Já a visão para o cenário de inflação para este e o próximo ano considera variação bem contida e ainda bastante abaixo das metas estabelecidas para os próximos dois anos (+4,0% e +3,75%, respectivamente).

Os núcleos denotam o comportamento estruturalmente baixista da inflação. Apesar das pressões altistas provenientes de “Alimentação no domicílio”, nossa equipe projeta ainda variação de 1,7% em 2020.

Nossos especialistas estimam que a inflação de bens livres, exceto alimentação no domicílio, dada a abertura do hiato do produto e de juros, está e deverá se manter em nível baixo. Mesmo quando se considera um cenário alternativo com maior variação do grupo “Alimentação no domicílio” (com alta de 8,0%, em vez dos 5,0% hoje esperados) e de bens administrados (de 3,4% para 5,0% em 2021), ainda assim o modelo prevê espaço para estimulo monetário adicional no curto prazo. Essa visão benigna da inflação, mesmo considerando um cenário de estresse, resultou na revisão do cenário de Selic.