Nas últimas semanas observamos alterações tanto no ambiente externo como no doméstico, que deverão ter implicações relevantes no cenário macroeconômico.

Veja abaixo a nossa visão atualizada para as principais variáveis macroeconômicas em 2021 e 2022.

Ambiente internacional

O cenário internacional continua positivo para os países emergentes, porém os riscos têm aumentado.

As projeções para o crescimento global continuam aumentando, de acordo com revisões recentes da OCDE, apresentadas em seu relatório de março “Economic Outlook”.

As políticas monetárias expansionistas, os gastos fiscais e o avanço do processo de vacinação permitiram essa retomada mais robusta do que o esperado, especialmente nos países desenvolvidos.

Com isso, os preços das commodities tiveram forte alta desde meados de dezembro/2020. Essa bonança não é isenta de riscos.

A aprovação de um pacote fiscal ousado e a velocidade na vacinação nos EUA levaram a um aumento nas taxas de juros norte-americanas, pressionando os juros em diversos países. As expectativas de inflação também subiram.

O ritmo de vacinação nos países emergentes tem sido mais lento do que nos países desenvolvidos, devendo gerar divergências nas perspectivas de recuperação em 2021 e 2022.

Finalmente, os sinais vindos da China apontam para uma gradual retirada dos estímulos ao longo de 2021, podendo gerar um crescimento menor no 2º semestre.

Ambiente doméstico

Internamente, a disseminação acelerada da Covid-19, com forte alta nos óbitos e risco de colapso das redes de saúde, motivou novas medidas de restrição de mobilidade.

A menor mobilidade se junta à menor confiança causada pela explosão da pandemia, devendo comprometer a recuperação do setor de serviços.

Em resposta à crise de saúde, o Congresso liberou R$ 44 bilhões, fora do Teto de Gastos, mas acompanhado de algumas ações fiscais programáticas. O novo auxílio deverá ser distribuído em quatro parcelas de até R$ 250 por família, para um número ainda indefinido de beneficiários.

Como contrapartida a esse gasto extraordinário, foi votada uma PEC que estabelece gatilhos nos gastos com servidores públicos, que serão acionados caso certas condições de calamidade pública ou deterioração fiscal sejam verificadas.

Esse “protocolo” não deverá ter aplicação automática a não ser, talvez, em estados ou municípios com finanças muito deterioradas (em que gastos com despesas obrigatórias sejam maiores que 95% do total do gasto).

Outros mecanismos e programas de auxílio, como antecipação de benefícios e extensão de empréstimos, podem ser anunciados para completar o apoio proporcionado à população com as transferências emergenciais. Dentre eles, destaca-se o bem-sucedido programa que permitiu a redução de jornada de trabalho e a suspensão temporária de contratos de trabalho.

Dólar, IPCA, Selic e PIB: Safra atualiza cenário e muda projeções

A imprevisibilidade de algumas políticas públicas e do compromisso fiscal em face dos desafios da pandemia, combinada ao cenário externo, tem pressionado o câmbio, levando-nos a revisar a taxa média e a taxa no fim do ano projetadas até recentemente.

A pressão no câmbio, além de fatores externos como o aumento da taxa de juros longa nos EUA também reflete fatores internos, como a ambiguidade da política agora, e quando se mira a próxima eleição presidencial.

Os cenários para 2022 alteraram-se recentemente pela decisão do STF em relação a um certo número de processos contra o ex-presidente Lula, que deixou de ser inelegível e voltou à arena política.

Assim, revisamos nossa expectativa para o real no final do 2021, adotando a taxa de R$ 5,30/US$.

Atividade econômica

Apesar dos dados de atividade econômica no mês de janeiro divulgados na semana passada terem sido relativamente positivos, há desafios importantes à frente.

A piora da pandemia e a persistência da incerteza fiscal, apesar da votação da PEC, nos levaram a revisar nossa projeção de crescimento do PIB de 4,0% para 3,5% em 2021 e de 2,5% para 2,0% em 2022.

Essa reestimativa reflete a discussão do nosso último relatório sobre os riscos envolvendo a nossa economia e o impacto da deterioração das condições financeiras enfrentadas.

Ela se deu apesar dos níveis de atividade no setor de serviços e no varejo, divulgados pelo IBGE semana passada, terem sido um pouco melhor do que a nossa previsão.

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O setor de serviços cresceu 0,6% na comparação mensal em janeiro, após ajuste sazonal. Na comparação com o mesmo mês de 2020, a queda foi de 4,8%. O resultado foi melhor que o esperado por nós (-5,3% na comparação anual) e pela mediana do mercado (- 5,1%).

Ainda, os detalhes mostram que três das cinco grandes categorias apresentaram queda nas variações mensais, sendo elas os "Serviços Prestados às Famílias" (-1,5% m/m), "Serviços de Informação e Comunicação (- 0,7% m/m) e "Outros serviços" (-9,2% m/m).

A queda dos serviços prestados às famílias apresenta um indício do que vamos observar, em maior escala, a partir de março, dado que esta é a categoria mais sensível às medidas de distanciamento social e ainda se encontra 27,6% abaixo do nível de 2019.

Já o varejo segue arrefecendo em relação ao elevado patamar atingido em novembro do ano passado, sem substancial queda.

As vendas do varejo restrito contraíram 0,2% em janeiro ante o mês de dezembro após ajuste sazonal, ficando apenas 0,3% abaixo do mesmo período de 2020, pouco abaixo da nossa projeção (+0,2% na comparação anual).

Em relação às vendas do varejo ampliado, que contempla também as vendas de materiais de construção, veículos, partes e peças automotivas, a queda foi de 2,1% na margem em janeiro, ajustado sazonalmente, também abaixo da nossa projeção (-1,1% m/m).

Em relação ao mesmo mês do ano anterior, a contração do varejo ampliado foi de 2,9%, puxada em parte pela venda de automóveis, cuja produção não está tão forte quanto se poderia esperar.

Apesar dos números piores do que o projetado por nós no varejo, a dinâmica foi compatível com o que esperávamos.

Desta forma, a despeito da queda, as vendas varejistas em janeiro ainda indicavam um ritmo robusto de atividade, principalmente porque a categoria “Veículos, partes e peças automotivas” foi responsável por quase toda surpresa, devido à queda maior do que antecipada por nós.

Fevereiro ainda deve mostrar um bom comportamento, que não se traduzirá em crescimento no primeiro trimestre, e deve ser seguida de um enfraquecimento a seguir.

Impacto da pandemia no PIB

Mantivemos nossa projeção de contração do PIB de 0,1% no 1º trimestre ante o 4º trimestre de 2020 após ajuste sazonal, mas aumentamos o impacto da pandemia nos trimestres seguintes.

O impacto da atual onda da pandemia deve se dar principalmente no segundo trimestre do ano, com uma recuperação mais tíbia no segundo semestre.

Nossa premissa é que as medidas restritivas devem permanecer até o início do abril, podendo se estender pelos próximos meses. Assim revisamos nossa estimativa de variação do PIB no segundo trimestre de +0,3% para -0,7%.

A piora da atividade deve se estender em 2022 por conta da deterioração das condições financeiras e das expectativas dos investidores.

Não obstante a forte alta na compra de bens de capital até recentemente, os investimentos de modo geral devem ser prejudicados em 2021 pela incerteza fiscal.

Inflação e política monetária

A inflação vem surpreendendo para cima desde o segundo semestre do ano passado, e a expectativa de desaceleração no primeiro trimestre desse ano não se materializou – o câmbio mais depreciado e as commodities em alta no exterior pressionam a inflação.

O IPCA de fevereiro registrou alta de 0,86%, bem acima da nossa projeção e da mediana de mercado (0,71% e 0,72%, respectivamente).

A surpresa altista teve como protagonista os combustíveis de veículos (derivados de petróleo), com repasse dos custos da Petrobras de forma mais rápida do que no passado.

A subida dos preços dos combustíveis —com a perspectiva de preços do petróleo se mantendo altos ao longo do ano — é o fator mais imediato para a revisão da nossa projeção de IPCA de 2021 de 3,9% para 4,4%.

Essas alterações, e o risco crescente de que as projeções para 2022 comecem a se distanciar da meta, tornaram quase certo o início do processo de normalização da política monetária.

Neste contexto, avaliamos que nesta semana o Copom deve elevar a Selic em 0,50 ponto percentual.

Entretanto, no momento, consideramos que o ciclo deva se encerrar com a Selic em 4,5% ao fim do ano, ante nossa projeção anterior de pausa em 4,0% em outubro.

O que esperar daqui pra frente no Congresso

A aprovação da “PEC dos gatilhos” foi um marco de confirmação do compromisso fiscal do governo e do Congresso, que abre a pauta das casas para a discussão do Orçamento de 2021 e diversas reformas.

Os efeitos imediatos da PEC foram, principalmente, excluir do Teto do Gasto R$ 44 bilhões a serem destinado ao combate dos efeitos da Covid-19, e desvincular o superávit financeiro de vários fundos federais — liberando perto de R$ 100 bilhões para o pagamento da dívida pública.

As medidas compensatórias não terão efeito fiscal imediato, sendo de caráter mais programático, ou determinando regras no caso de ocorrência de certas circunstâncias, como refletido nos seguintes comandos:

  • Proibir, em casos de calamidade pública ou deterioração das finanças (despesa obrigatória acima de 95% das despesas totais):
  1. reajustes salariais para o funcionalismo (a Constituição prevê um reajuste anual, ainda que não exija que ele seja igual à inflação do período; com a PEC, poderia não haver reajuste nenhum);
  2. novas contratações e concursos, e criação de despesas continuadas ou conceder novos subsídios ou incentivos tributários;
  3. no caso dos estados e municípios, essas medidas seriam facultativas, ainda que passíveis de serem implementadas a partir de quando a despesa obrigatória exceda 85% da despesa total, sendo a não adoção dessas medias motivo para impedir a União de dar novas garantias ao ente com as finanças deterioradas.
  • Dar 5 anos adicionais para estados e municípios pagarem seus precatórios (até 2029);
     
  • Apresentação pelo governo de um plano prevendo a redução dos gastos tributários para até 2% do PIB, ressalvados vários programas que, somados, totalizam aproximadamente 2% do PIB;
     
  • Determinação que se votem leis complementares tratando de critérios para a concessão de novos incentivos ou benefícios fiscais, e do estabelecimento de indicadores para a trajetória da dívida pública.

A agenda legislativa para os próximos meses deve focar na aprovação do orçamento, em princípios para uma Reforma Administrativa, em alguns marcos setoriais e em medidas visando a privatização de empresas públicas, deixando pouco espaço para uma Reforma Tributária.

Após a promulgação da PEC dos gatilhos, o Congresso deverá deliberar sobre vários vetos, como aqueles relativos à nova lei de falência e à reforma do saneamento. É incerto o resultado, ainda que haja previsão da derrubada de alguns desses vetos, possivelmente incluindo aqueles favorecendo a Receita Federal.

O relatório da Reforma Tributária da comissão mista informal do Congresso deve ser concluído e publicado brevemente, levando a questão para deliberação para o Senado, cujo presidente assinalou não estar priorizando o tema.

Com isso a pauta da Câmara pode se voltar para a aprovação da Medida Provisória da privatização da Eletrobrás e da reforma do marco regulatório do gás, que voltou do Senado.

Há, a seguir, algum interesse na Câmara no progresso de leis relativas à regularização fundiária e ao licenciamento ambiental, temas em que não há consenso completo na sociedade.

O progresso de algumas dessas pautas tende a ser bem recebido pelo mercado financeiro, possivelmente ajudando a relaxar as condições financeiras previstas para o segundo semestre do ano, com eventuais repercussões positivas no ritmo do investimento em 2021 e crescimento econômico em 2022.