A lista de choques que pressionam a inflação corrente segue crescendo. Ao longo do primeiro semestre, a mediana das projeções dos economistas para o IPCA de 2021 subiu de 3,3% em janeiro para perto de 6% no final de junho.

Esse movimento é explicado, entre outros fatores, pela alta do preço internacional do petróleo, que passou de US$ 50 para US$ 75 por barril no período e causou uma alta de quase 25% nos preços de combustíveis nos postos, como gasolina e etanol, além dos efeitos indiretos do aumento do óleo diesel, com reajuste em magnitude próxima.

Os preços de produtos alimentícios também pressionaram a inflação no período. A cotação de grãos, como soja e milho, registrou forte alta durante o final de 2020 e o primeiro semestre de 2021. Outras commodities, como a carne de boi e o arroz, tiveram expressiva aceleração de preço no mercado doméstico desde o começo do ano passado.

Com isso, os preços de alimentos subiram 20% entre fevereiro de 2020 e maio de 2021, com esse choque sendo constantemente destacado nos discursos de diretores do Banco Central. No entanto, registre-se que os preços de algumas commodities agrícolas começaram a ceder recentemente, o que poderia levar a uma revisão baixista da nossa projeção de inflação de 2021 em torno de 0,2 ponto porcentual.

Energia mais cara

Mas é a energia elétrica o principal fator de aumento de preços mais recentemente. No final de junho, a Aneel reviu os valores das bandeiras tarifárias. Esse sistema é um mecanismo de ajuste mensal das contas dos consumidores cativos das distribuidoras, que procura refletir a situação do sistema no momento, e o custo de geração médio.

O sistema vai desde a bandeira verde, quando não há sobretaxa no custo da energia contratada, até a bandeira vermelha patamar 2, a mais restritiva, com maior taxa.

Em reunião na semana passada, a Aneel decidiu revisar os valores cobrados de todas as bandeiras, um procedimento que costuma acontecer anualmente, no segundo trimestre. Para a bandeira vermelha patamar 2, que vigora atualmente, a revisão elevou o valor cobrado de R$ 62,40/MWh para R$ 94,90/MWh, com efeito imediato.

Com isso, o consumidor enfrentará um aumento de 52% com essa taxa de escassez. Sua conta de luz, porém, aumenta bem menos do que isso, porque ela inclui outros fatores, como o custo de distribuição, que não sofreram aumento por enquanto.

A Aneel também abriu consulta pública para debater com a sociedade possíveis alterações na metodologia da definição das bandeiras. Acreditamos que, após o período de contribuições à consulta, os diretores da Aneel definirão um valor ainda mais alto para a bandeira vermelha patamar 2, ao redor de R$ 115,00/MWh.

Esse valor mais elevado, segundo os técnicos da Aneel, cobriria o custo da energia térmica e outras fontes que estão sendo despachadas para compensar o déficit na produção hidroelétrica, de custo mais barato.

Assim, esperamos que a inflação de energia elétrica suba para 8,3% em julho. Considerando o ano cheio de 2021, prevemos uma alta de 17% para esse item, o que tem como hipótese a manutenção da bandeira vermelha patamar 2 até o final de dezembro.

IPCA acima da meta

A inflação de serviços tem permanecido bem comportada, com a ociosidade no mercado de trabalho e as medidas de isolamento social. Esperamos aceleração desses preços ao longo dos próximos meses, com o repasse de custos e o retorno de demanda em segmentos que dependem mais da interação social, como turismo e restaurantes e mesmo serviços pessoais.

Aqui, a incerteza segue maior que a habitual e pode ocorrer um repasse ainda mais rápido do que o esperado, o que geraria um risco altista em torno de 0,3 ponto porcentual na nossa estimativa para o IPCA desse ano.

Tendo em vista o cenário descrito e o balanço de riscos, revisamos a nossa projeção para o IPCA de 2021 de 6,0% para 6,4%. A mediana das projeções coletadas pelo Banco Central no Relatório Focus é hoje de 6,1%. O teto da meta da instituição para 2021 é 5,25%.

A inflação mais alta em 2021 tem implicações para a inflação projetada para 2022. Altas de preços costumam elevar a inflação dos preços livres nos períodos seguintes, por conta dos efeitos defasados nos custos das empresas e de reajustes nas expectativas de inflação.

No caso de preços administrados em que o choque seja resultante de fatores temporários, como os da energia atualmente, pode-se dar o contrário quando se abstraem os efeitos secundários.

Alívio em 2022

Caso a temporada de chuvas do próximo verão seja benigna, o ano de 2022 pode terminar com uma bandeira correspondente a uma tarifa mais baixa, ou a tarifa da bandeira vermelha patamar 2 vir a ter seu valor revisado para baixo, o que poderia trazer um alívio de 0,35 ponto porcentual no IPCA de 2022.

Com menos certeza, também pode-se estimar a estabilização ou mesmo a queda de muitos preços agrícolas nos próximos 18 meses.

O preço do arroz, por exemplo, já mostra queda de 35% na coleta ao atacado comparado com outubro do ano passado, e um movimento semelhante pode ocorrer com a carne bovina se as exportações tiverem menor aumento ou até diminuírem.

Em suma, esperamos por uma reversão parcial do choque altista de alimentos no próximo ano, ainda que se deva ter cautela por conta de riscos climáticos já identificados, como o La Niña.

A volatilidade de preços de grãos no mercado internacional deve-se em parte à redução de estoques nos Estados Unidos, na esteira da guerra comercial com a China, que desestimulou a produção americana, até pelos auxílios pagos pelo governo aos produtores dos EUA.

Finalmente, a inflação de serviços pode acelerar mais do que o previsto em 2022, dependendo da renda disponível e do aumento da mobilidade se houver ampla superação da pandemia.

Incorporando essas informações em nosso cenário, que inclui estabilização da taxa de câmbio e taxa de juros migrando para o terreno considerado neutro (entre 6% e 7%), reduzimos nossa projeção do IPCA de 2022 de 3,7% para 3,3%, com uma faixa de risco de 0,3 ponto porcentual.