São muitas as dúvidas hoje em torno da recuperação do crescimento no Brasil, seja pelas características peculiares desta crise, pelos programas de estímulos anunciados, ou pelo momento em que se encontrava a economia brasileira antes da pandemia. O time de Macroeconomia do Banco Safra levantou aqui alguns desses pontos e apresentou possíveis impactos para a trajetória de crescimento em 2020 e 2021.

Uma das principais dúvidas é sobre o mercado de trabalho. Quanto da ocupação poderá ser recomposta mais rapidamente pela simples reabertura da economia? Outro ponto refere-se ao número de empregos que foram protegidos por conta dos programas governamentais, com destaque ao programa que permitiu, temporariamente, a redução de jornada de trabalho e suspensão de contratos.

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Como as regras exigem manutenção do emprego por período semelhante à permanência no programa, a dúvida que surge é se, ao final desse período, a economia terá se recuperado suficientemente para que as empresas decidam manter todos esses empregos.

Muitas questões também surgem quanto ao impacto do crédito sobre a recuperação. Crises econômicas geralmente são acompanhadas por aperto no mercado de crédito e elevação dos spreads por conta do risco de inadimplência. Entretanto, considerando os diferentes programas do governo, os spreads têm se mantido comportados e a concessão de crédito à pessoa jurídica cresceu 15,5% no acumulado até maio em relação ao ano passado.

Grande parcela desse crescimento tem sido para capital de giro, mas nossa equipe avalia que esse volume deve fazer com que as empresas saiam menos machucadas da crise, podendo ter impacto positivo sobre o emprego.

Além disso, a significativa queda da taxa de juros contribuirá para o crescimento do crédito, afirmam nossos especialistas, tanto para a pessoa jurídica quanto para pessoa física (com destaque para o financiamento imobiliário), contribuindo para a retomada da economia.

Outro ponto que merece atenção trata da discussão sobre os efeitos do término do pagamento do auxílio emergencial. O pagamento do benefício conseguiu compensar em grande medida a perda de massa de salários resultante da queda da ocupação, impedindo uma desaceleração ainda maior da economia no segundo trimestre e permitindo possivelmente uma retomada um pouco mais forte no terceiro, já que o governo estendeu por mais dois meses o benefício.

Assim, no final do ano deverá haver impacto negativo do término do programa, o que pode levar a uma perda do ímpeto da trajetória de recuperação. Contudo, embora os economistas do Safra ainda acreditem que o quarto trimestre deverá sentir os efeitos da retirada do auxílio emergencial, os esforços do governo para redesenhar o conjunto de benefícios sociais e manter, em parte, algum tipo de programa de transferência de renda que vai além do existente antes da pandemia, devem fazer com que esse efeito negativo sobre o crescimento seja menor que o esperado.

Principais incertezas

Nesse contexto, com mais dúvidas que certezas, a tarefa de projetar crescimento econômico torna-se ainda mais difícil. Nosso time de Macroeconomia avalia que a tentativa de traçar as combinações de cenários mais prováveis de crescimento à luz das informações disponíveis, sem esquecer do tamanho da incerteza, é bastante interessante para compreender os requisitos para uma determinada trajetória de crescimento.

Ainda restam três grandes dúvidas importantes para escolher um desfecho para as questões apontadas anteriormente. A primeira, e menor delas, é qual o tamanho do tombo da economia brasileira no segundo trimestre de 2020. Os agentes do mercado têm estimado queda de cerca de 10,0% contra o trimestre anterior. A equipe do Safra está um pouco mais otimista do que a média e projeta queda de 9,4%.

Após tentar estimar a queda inicial do PIB devido à crise da Covid-19, o segundo desafio é mensurar a velocidade de recuperação imediata, com a flexibilização gradual das medidas de isolamento social, assim como o momento subsequente, em que a eficácia das políticas públicas na preservação de empresas e empregos faz-se mais importante.

Nosso time entende que os dados recentes têm trazido surpresas positivas em relação à velocidade de recuperação. Entretanto, não se deve esquecer que, a despeito da aparente melhora nas curvas de mortes e contágio, o estágio e duração da pandemia nas diferentes regiões do país seguem incerto. A estimativa de nossos especialistas é que o crescimento mais provável ficará entre 4% e 6% no terceiro trimestre, a depender majoritariamente, mas não exclusivamente, do desenvolvimento da pandemia no país.

Além disso, deverá haver crescimento adicional, em menor grau, no último trimestre do ano devido à economia quase que totalmente operacional frente a um período com restrições, sujeitando-se ao nível de melhora do mercado de trabalho. Assim, a equipe de Macroeconomia do Safra acredita que o intervalo mais provável para a queda do PIB brasileiro em 2020, com as informações de hoje, está entre -5% e -6%.

A principal questão recai sobre como estarão os fundamentos da economia doméstica em relação aos investimentos, renda e emprego. Assim, é possível tentar decifrar qual será o ritmo de crescimento do próximo ano e quanto tempo levará para voltar ao nível observado no final de 2019 e início de 2020.

Para isso, primeiro deve-se considerar qual será o crescimento do último trimestre de 2020 e, consequentemente, o carregamento estatístico herdado para o próximo ano. Em segundo lugar, é preciso definir qual será o ritmo de crescimento em 2021, que depende das respostas para todas as perguntas expostas anteriormente.

Combinações de crescimento

Em um cenário com crescimento de 5,0% no terceiro trimestre, a tabela abaixo nos mostra que uma alta adicional entre 2,0% e 3,5% no último trimestre de 2020, somado a um ritmo médio de crescimento entre 0,8% e 1,2% em 2021, acima do ritmo observado nos últimos anos, mas abaixo dos níveis observados no pós-crise de 2008, geraria uma taxa de crescimento do PIB entre 3,0% e 5,0% em 2021.

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Vale destacar que neste caso a ordem dos fatores altera o resultado. A tabela acima serve como um direcionamento para a ordem de grandeza do crescimento nos mais diferentes cenários. Uma vez que crescimento maior nos primeiros trimestres implica em crescimento também maior no ano, mesmo que a média seja mantida constante.

Por fim, nossos especialistas avaliam que esta abordagem é interessante para avaliar o que é necessário para cada cenário de crescimento. A conclusão é que as combinações mais prováveis de crescimento mostram que ao final de 2021 estaremos próximos do nível observado no último trimestre de 2019 e prontos para retomar a trajetória de crescimento, que será tão rápida quanto forem os avanços na agenda de reformas que aumente a produtividade e o PIB potencial brasileiro.