Nos últimos dias, a China revelou uma série de dados sobre sua economia. Em meio a essa bateria de informações, a recuperação do PIB ganhou destaque, revelando expansão de 2% em 2020 e alta de 6,5% no quarto trimestre, na comparação anual. O nosso time de Macroeconomia, no entanto, analisou a composição desse crescimento e quais tendências podemos identificar para os próximos anos.

No gráfico abaixo podemos observar a rápida volta do crescimento chinês, após a contração anual de 6,8% no primeiro trimestre de 2020. A contenção rápida da Covid-19 e as medidas de estímulo creditício promoveram essa retomada de grande velocidade, de acordo com nossos especialistas.

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Indústria vs. consumo doméstico

Em meio a essa recuperação, os indicadores de confiança empresarial do setor industrial e de serviços (PMIs), por exemplo, voltaram ao patamar acima de 50 pontos (nível limite entre expansão e contração) em até dois meses após o choque negativo inicial.

No entanto, a retomada da China foi impulsionada mais pelo setor industrial do que pelo consumo doméstico, aponta nosso time de Macroeconomia.

Na comparação anual, a produção industrial caiu 1,1% em março de 2020, logo voltando a crescer e encerrando o ano com expansão de 7,3%. A produção de aço cresceu 9,2% em novembro relativamente ao ano anterior, e a produção de energia 23% em dezembro, enquanto o volume de carga nas ferrovias registrou alta de 2,4%.

Com isso, o indicador criado pelo atual primeiro-ministro e chefe de governo Li Keqiang que leva em consideração os indicadores citados acima, registrou 9,2% de expansão em dezembro de 2020, ante uma média de 7,5% nos últimos três anos.

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Porém, a retomada das vendas no varejo foi mais lenta e incompleta, só voltando ao patamar positivo no mês de agosto, e registrando expansão de 4,6% em dezembro, ante um ritmo médio acima de 7% no pré-pandemia.

Mais importante do que o nível, há sinais de que ocorreu uma perda de dinamismo no varejo no final do ano. Além disso, os indicadores de mercado de trabalho, ainda que de qualidade duvidosa, também mostram recuperação incompleta.

Estímulos

Essa retomada incompleta deve levar a uma cautela na retirada dos estímulos injetados em 2020, segundo nossos especialistas.

É forçoso notar que os estímulos em 2020 foram muito menores do que na crise de 2008 e concentrados no período de suspensão das atividades econômicas, sem movimentos adicionais no segundo semestre.

Ao contrário do período da crise financeira de 2008, o foco não foi em grandes projetos de infraestrutura, mas na ampliação do crédito, com estímulo a novas concessões e rolagem das dívidas vincendas no curto prazo.

A alavancagem dos bancos e empresas públicas tem sido uma preocupação das autoridades monetárias chinesas. Assim, nossos especialistas avaliam que tanto o aumento do endividamento dessas instituições quanto a retirada mais abrupta do apoio ao crédito em 2021 poderiam suscitar algum fator de risco para a economia.

A aparente tendência de declínio da produtividade pode criar novos desafios para a economia chinesa.

O crescimento de longo prazo das economias depende de um equilíbrio entre sua capacidade de produção e a demanda interna — especialmente no caso de grandes economias que não podem depender majoritariamente dos mercados externos.

A capacidade de produção depende da disponibilidade de capital e mão de obra, e da produtividade desses fatores, decorrentes, por exemplo, da eficiência na alocação do capital e da qualificação da mão de obra.

A disponibilidade de mão de obra da China deve cair bruscamente em alguns anos, como reflexo da política de 1 filho por casal vigente até recentemente. Somado a isso, o estoque de capital na China já é bastante alto, reflexo do alto nível de investimento das últimas décadas, muito acima da média das economias de outros países.

Em alguns setores como transportes, esse estoque de capital já é possivelmente mais alto do que em várias economias desenvolvidas, e, portanto, crescentemente sujeito a retornos decrescentes.

Assim, cada vez mais o crescimento chinês dependerá a produtividade dos seus fatores de produção e de uma demanda interna forte.

China em transição econômica

Segundo estudo de 2019 do FMI, a China vem passando por uma transição econômica, de uma economia industrial para uma economia de serviços. A experiência nas economias avançadas mostra que a produtividade no setor de serviços é tipicamente mais baixa do que na indústria, o que também é verificado na China.

Esse efeito de “composição” do PIB poderia, portanto, desacelerar o crescimento chinês, risco que não escapou às autoridades do país. Nesse sentido, a China tem posto grande ênfase no desenvolvimento de nova geração de serviços, apoiados em tecnologias de ponta, tais como as derivadas da inteligência artificial.

A maior participação do setor de serviços, independente da sua produtividade, tende a diminuir a demanda relativa por matérias-primas.

Em contraste com os serviços tradicionais, presenciais e de baixa produtividade, importantes segmentos desse setor têm sofrido transformações radicais na China, com impacto positivo na sua produtividade.

O crescimento das plataformas de comércio digital, que permitem produtores de todos os cantos da China venderem seus produtos, significou um grande aumento da produtividade do segmento de comércio em geral, além de novas oportunidades para toda a economia.

A transformação do setor financeiro pela sua integração com o comércio e os meios de pagamento digitais, permitindo que algoritmos analisem o risco de crédito de forma inédita e quase instantânea, já tem trazido novo impulso e capilaridade à concessão de empréstimos, ainda que não se trate de processo de desenvolvimento linear ou isento de riscos.

Mudanças na saúde ainda não são tão visíveis, mas também avançam com novos equipamentos.

Para nossos especialistas, o fortalecimento desse processo dependerá cada vez mais da qualidade da alocação do capital e, possivelmente, de instrumentos fiscais que facilitem a transformação da economia, evitando o prolongamento de atividades industriais gravosas e criando novas formas de renda para a população, inclusive os mais jovens.

Em qualquer caso, nosso time de Macroeconomia avalia que, com a enorme aumento do estoque de infraestrutura em anos recentes e a expansão do setor de serviços, que requer menos capital físico nos anos à frente, a demanda por certas matérias-primas deve cair, tornando menos provável um boom como o observado no período de 2004 a 2010, mesmo no campo da alimentação.