Os cenários elaborados pelo nosso time de Macroeconomia para 2021 baseiam-se em algumas considerações que elaboramos abaixo, que refletem diversos riscos, mas também indicações da relativa robustez da economia brasileira.

Apesar da gravidade da pandemia, e da fragilidade da população de menor renda, os riscos para a economia brasileira são, hoje, menores do que em outros momentos críticos do passado, em decorrência da evolução institucional dos últimos 20 anos e do acúmulo de reservas internacionais, assim como do panorama internacional relativamente favorável ao Brasil.

Esse conjunto de fatores permite que nosso cenário central seja um de continuação da recuperação econômica em 2021, com inflação sob controle e modicidade nas taxas de juros. Contudo, não deixamos de estar alerta aos riscos que cercam a economia brasileira e o encaminhamento de medidas de governo necessárias ao fortalecimento da economia.

Mudanças estruturais

Segundo nosso time de Macroeconomia, a pandemia do Covid-19 alterou a dinâmica das economias ao redor do mundo e deverá deixar um legado estrutural.

A mudança mais imediata após o fim da pandemia deve ser no mercado de trabalho, pela aceleração da digitalização da economia ocorrida em 2020. Isso terá implicações em vários segmentos do setor de serviços, notadamente os de viagens, hotelaria e entretenimento, assim como do comércio.

No Brasil, 22,7 milhões de pessoas estavam ocupadas nesses segmentos antes da pandemia, sendo 10 milhões de maneira informal ou por conta própria, tendo o contingente total se reduzido em 3,5 milhões de pessoas ao longo da pandemia, segundo a PNAD contínua trimestral (-15%).

Uma redução persistente de 10% no emprego nesses segmentos causará, portanto, um excedente de trabalhadores da ordem de 2,3 milhões de pessoas, que podem pesar na retomada mais geral das atividades econômicas em 2021.

Setor externo

O setor externo brasileiro foi favorecido em 2020, e deverá continuar a ser favorecido em 2021, segundo nossos especialistas.

Esse “vento a favor” decorre em parte de respostas monetárias e fiscais dos governos das economias avançadas, que se traduzem em taxas de juros globais baixas, um dólar mais fraco, e uma menor contração da economia mundial. Com isso, o preço em dólar das commodities tendeu a aumentar, de acordo com nosso time de Macroeconomia, o que vem sendo reforçado pela rápida retomada econômica da China e pelos desdobramentos da crise da produção suína ocorrida em 2019, que tem mantido aquecida a demanda por minério de ferro e grãos, especialmente a soja e o milho.

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Outro fator externo favorável ao Brasil são os níveis historicamente baixos das taxas de juros globais, como refletido na conta corrente de 2020, que pela primeira vez em quase 15 anos terá um superávit.

Em 2020 deveremos observar redução de 15% nas importações e de quase 80% nas despesas líquidas de viagens internacionais, e uma queda de quase 40% nas despesas com juros e remessas de lucro, refletindo principalmente o quadro benigno de juros.

Esse quadro, exceto pela recuperação parcial das importações e talvez da lucratividade de algumas multinacionais, deve se manter em 2021, segundo nossos especialistas, o que poderá até aumentar o superávit em conta corrente no ano que vem

O bom desempenho do setor agropecuário e a robustez das reservas internacionais também refletem a força do mercado externo. A estimativa de aumento de renda é da ordem de R$ 147 bilhões com grande efeito multiplicador no interior do país. As reservas internacionais funcionam como um grande amortecedor, inclusive em relação à variação de fluxos de capitais, tendo crescido em valor em moeda local nos últimos anos.

O fluxo de capital estrangeiro é outro fator potencialmente positivo em 2021, depois da grande saída ocorrida em 2020, notadamente da bolsa de valores.

Segundo nossos especialistas, ainda que a retomada da economia americana e o bom desempenho da bolsa de Nova York compitam com a atratividade da bolsa brasileira, a continuidade de bons resultados por parte das empresas brasileiras pode trazer uma percepção mais favorável para a Bolsa e uma natural reentrada de capital, que pode contribuir para o sucesso de aberturas de capital na bolsa e possivelmente para o fortalecimento do real.

Câmbio e inflação

A volatilidade do real em 2020 e suas repercussões na inflação, apesar do bom desempenho do setor externo deve-se a alguns fatores. Segundo nosso time de Macroeconomia, entre eles estão a redução das taxas de juros domésticas (Selic a 2% ao ano), a incerteza sobre o crescimento e especialmente as pressões fiscais, com o forte aumento da dívida pública.

Essa desvalorização, se benéfica para o setor exportador, tem sido um fator de aceleração da inflação pelo repasse dos preços externos em um momento de retomada da demanda doméstica de diminuição do hiato do produto na esteira dos Auxílios Emergenciais.

Pode-se considerar também alguns aspectos técnicos, como as compras líquidas de dólar pelos bancos (fim da necessidade de overhedge) já ocorridas e esperadas, as quais parecem ter motivado o Banco Central a sinalizar para a possibilidade de algumas medidas para abrandar eventuais pressões no câmbio mediante a rolagem e mesmo aumento dos swaps cambiais nos próximos meses.

Recentemente, houve menção por parte do Ministro da Economia a uma eventual venda de reservas para alcançar um objetivo de redução da dívida pública bruta, mas seu efeito sobre o câmbio é ambíguo, dizem nossos especialistas. Apesar da maior oferta de dólares tender a apreciar o real no primeiro momento, a consequente redução dos ativos do setor público e da disponibilidade de dólares poderia levar a uma depreciação do câmbio a seguir, com reflexos menos positivos na inflação em 2021.

Fim do auxílio emergencial

Finalmente, o encerramento do programa de auxílio emergencial impactará o consumo das famílias no começo do ano, mas talvez menos do que esperado, explica nosso time de Macroeconomia, visto que maior parte do dinheiro injetado na economia está preservado.

Esses recursos, afora o que foi dissipado pela inflação, e junto com aqueles decorrentes da injeção de liquidez pela autoridade monetária, encontram-se nas poupanças das famílias, na medida em que não foram gastos, e das empresas, na medida em que o investimento não aumentou e a compra de insumos importados não os consumiu por conta do aumento do câmbio.

Parte desses recursos também voltou para os cofres públicos como impostos, especialmente indiretos, tanto a nível federal quanto estadual, diminuindo o déficit do governo geral. Esse retorno seria devido principalmente pelo aumento da demanda por bens manufaturados, sujeitos a uma tributação relativamente alta (por volta de 20% efetivos).

Essa poupança e o relativo alívio dos cofres públicos facilitam a transição para uma economia sem tantas transferências oficiais de renda para as famílias. Evidentemente, afirmam nossos especialistas, em qualquer caso o governo deve se preparar para uma ampliação ordenada dos programas de proteção contra a pobreza e a extrema pobreza, se a retomada do emprego, especialmente informal, atrasar por conta de um recrudescimento da covid-19 no final do ano ou por outros fatores.

Em contraponto a esses elementos de resiliência, nosso time de Macroeconomia ressalta que há uma grande incógnita em relação às prioridades fiscais do governo, tanto em relação a transferências de renda quanto a outras despesas e desonerações, e especialmente a uma estratégia em relação à dívida pública, a qual aumentou significativamente.

Essa falta de estratégia compartilhada com o mercado, continuam nossos especialistas, tem se manifestado pelo forte aumento da taxa de juros de médio prazo, apesar dos elementos favoráveis à economia discutidos acima.

Cenário base

Nosso cenário base considera, assim, a queda gradual do contágio e das fatalidades e a permanência do atual regime fiscal.

A redução da pandemia permitiria à economia seguir seu processo de reabertura gradual, contribuindo para que o mercado de trabalho volte a criar vagas. A recuperação, principalmente do emprego informal de baixa remuneração, que foi a categoria que mais sofreu os efeitos do isolamento social, é indispensável para o Auxílio Emergencial poder se encerar, sem excessivo empobrecimento da população e forte contração no consumo das famílias, explica nosso time de Macroeconomia.

A recuperação também é importante para a permanência do regime fiscal, com a manutenção do teto de gastos e com o atendimento dos mais vulneráveis dentro do quadro do Bolsa Família ou de um eventual programa que o suceda, observando o mais próximo possível os limites globais de gastos previstos no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2021.

O cenário também contempla o progresso nas reformas sobre o funcionalismo público ao longo de 2021 para reforçar a ancoragem do gasto público em 2022 e nos anos subsequentes. Os anos seguintes poderão exigir também um reforço do superávit primário mediante aumento das receitas dos governos.

Em suma, o cenário central é compatível com uma transição relativamente suave do quadro da pandemia, sem quebra do regime fiscal e com inflação moderada, e possível manutenção da "prescrição futura" do Banco Central, que sinaliza juros estável ao longo de boa parte de 2021.

Neste cenário:

  • a taxa de câmbio deve permanecer entre R$ 5,35-5,45/US$ em 2021. Esses valores podem se reduzir dependendo de eventual atuação do BC e do avanço de reformas no Congresso, o que se tornará mais claro nas próximas semanas;
     
  • a variação do IPCA deve alcançar 3,5% em 2021, ainda mostrando efeito do câmbio no preço de bens industriais. Como já abordamos em ocasiões anteriores, a inflação de alimentos seguirá bastante pressionada, tanto por questões climáticas quanto pela forte demanda externa. Alem disso, confirmada a hipótese de avanço da reabertura a economia e retomada gradual do emprego, a inflação de serviços deve mostrar alguma aceleração em 2021;
     
  • a política monetária começa a ser ajustada no quarto trimestre de 2021, com a taxa Selic terminando o ano que vem em 2,5% ao ano, refletindo o crescente peso da meta de inflação de 2022 nas ações do Banco Central;
     
  • o crescimento do PIB está projetado em 4,5% em 2021, refletindo um carrego estatístico elevado (+3,3%) e a normalização do PIB da Administração Pública (+0,9%), esta em consequência da metodologia adotada pelo IBGE face à pandemia. O crescimento ao longo do ano estaria assim em um ritmo médio de 0,4% na comparação trimestral, abaixo do observado em 2017-19.

O risco mais claro ao cenário central é a evolução da pandemia. Até há algumas semanas, o risco parecia moderado e tendente a desaparecer, mas recentemente houve aumento do contágio, óbitos e hospitalização pelo vírus.

Com isso, surge a possibilidade de interrupção no processo de reabertura e recuperação da economia. O impacto de um recrudescimento da pandemia poderá diferir bastante, a depender do tratamento oferecido pelo governo no que se refere à velocidade de disseminação da vacina e outras medidas profiláxicas, assim como à continuidade dos programas compensatórios e seus efeitos no gasto público.