O debate fiscal tem se mantido no centro das discussões econômicas, em um ano no qual observamos uma evolução significativa da dívida bruta – que deve subir dos 76% para aproximadamente 94%. Nesse cenário, nosso time de Macroeconomia analisou a questão dos programas de transferência de renda, que retornou com destaque no noticiário nos últimos meses.

Essa discussão foi estimulada pelo sucesso do auxílio emergencial votado pelo Congresso Nacional como resposta à dificuldade de muitas pessoas se manterem ocupadas e, assim, terem renda do trabalho durante a pandemia da covid-19.

Abaixo, nosso time de Macroeconomia analisa o tamanho do auxílio emergencial, alguns cenários para os programas de transferência de renda e as limitações do Orçamento no cenário atual.

O tamanho do auxílio emergencial

Foi decidido que todos aqueles que estivessem no cadastro único, que não tivessem vínculo empregatício ou que ganhassem outros benefícios do governo poderiam receber o auxílio, inicialmente estabelecido em três parcelas de R$ 600. Em uma mesma família, vários membros poderiam receber o auxílio até o valor conjunto de R$ 3.000 por mês.

Adicionalmente, as mãe solteiras, inclusive no Bolsa Família, poderiam receber R$ 1.200. Esses valores, ainda que menores do que os pagos pelo seguro desemprego no setor formal ou pelos benefícios previdenciários tradicionais—estes com piso de um salário mínimo –, são muito maiores do que os recebidos no âmbito do Bolsa Família, especialmente quando considerado que podiam ser acumulados em uma mesma unidade familiar.

As transferências no âmbito do auxílio emergencial, explicam nossos especialistas, alcançaram um número muito maior de beneficiários diretos do que programas como o Bolsa Família, com 67 milhões de pessoas, e representaram uma renda adicional de R$ 27,5 bilhões por mês para o conjunto de beneficiários, o que estimulou uma rápida retomada na economia. Esse alívio, que representou aumento de renda real para muitas pessoas e famílias, foi reconhecido pela população e impulsionou a popularidade do governo a partir da metade do ano.

Saiba mais:
> Resultados de agosto melhoram projeção para o PIB em 2020
> Com pressão no atacado, IPCA deve acumular alta de 2,8% no ano
> Com resultado forte, CSN dá início à 3ª temporada de balanços

Segundo nosso departamento de Macroeconomia, o custo mensal do auxílio emergencial, da ordem de R$ 45 bilhões a R$ 50 bilhões, correspondeu a uma porcentagem perto de 10% do PIB médio mensal – indicando a magnitude do volume injetado na economia, assim como a dificuldade desse esforço ser mantido de forma permanente.

Nesse contexto, o valor transferido passou à metade a partir de setembro (R$ 300 por mês), e o programa está projetado para ser encerrado no final de 2020. Como referência, a despesa mensal com o Bolsa Família é da ordem de R$ 2,5 bilhões por mês.

Transferência de renda e o Teto de Gastos

A discussão sobre renda para os mais pobres ganhou fôlego com o efeito positivo do auxílio emergencial. Esse impulso desembocou na discussão de como ampliar ou mesmo suceder o Bolsa Família.

Assinale-se que, ao contrário do Auxílio Emergencial, que é temporário e focado no trabalhador que viu sua renda diminuída, o Bolsa Família é um programa permanente, focado na infância e adolescência, com critérios precisos para a sua concessão. Apesar de alguns anúncios oficiais e da ampla discussão em Brasília, ainda não está claro se a eventual Renda Brasil ou Renda Cidadã seria baseada no indivíduo ou na família.

Nossa equipe de Macroeconomia afirma que pouco se sabe sobre os contornos que teria um novo esquema de transferência de renda. Ainda segundo nossos especialistas, tem se tornado evidente que ele não atenderia às dezenas de milhões de pessoas beneficiadas pelo Auxílio Emergencial, mas um universo um pouco maior daquele atendido pelo Bolsa Família, até pelas restrições impostas pela Emenda Constitucional n⁰ 95, mais conhecido por Teto do Gasto.

Cenários para os programas

Um aumento marginal dos números de beneficiários de programas para aqueles na pobreza ou extrema pobreza, afirma nosso time de Macroeconomia, pode ser compatível com o atual Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2021.

O PLOA 2021 enviado no fim de agosto ao Congresso Nacional criou alguma margem de expansão para o Bolsa Família.O projeto aponta para o aumento de 18,2% no orçamento do Bolsa Família em relação ao orçamento de 2020, contemplando um aumento do número de famílias beneficiadas das atuais 14,2 milhões para 15,2 milhões, um crescimento de 7%, o que é compatível com a expectativa de que o número de famílias na pobreza ou extrema pobreza (universo do Bolsa Família) aumente em consequência da Covid-19 e do fim do auxilio emergencial.

Segundo nosso time de Macroeconomia, o aumento do orçamento do programa nessa hipótese seria ainda compatível com um aumento do valor dos benefícios (em até 10%).

O Bolsa Família atendia, em 2019, a 86% das famílias na extrema pobreza, isto é, aquelas com renda mensal de até R$ 89,00 por pessoa, presentes no Cadastro Único, e a 63% daquelas famílias na pobreza, isto é, aquelas com renda mensal entre R$ 89,00 e R$ 178,00 por pessoa também no Cadastro Único. As famílias nesses grupos com direito a participar do programa são apenas aquelas que tenham em sua composição gestantes e crianças ou adolescentes entre 0 e 17 anos.

A elevação das linhas da pobreza e da extrema pobreza teria o efeito de aumentar o número de famílias a poderem entrar no programa. A linha de extrema pobreza per capita, originalmente de R$ 50 por mês, se atualizada pelo IPCA, estaria em R$ 122 por mês em vez dos atuais R$ 89. A de pobreza estaria em R$245 por mês, dos atuais R$ 178.

Nosso time de Macroeconomia revela que se, em vez dessa correção pela inflação, fosse considerado um aumento mais ambicioso, que levasse a linha de pobreza para meio salário mínimo, uma significativa parte das 6 milhões de famílias com renda per capita entre R$ 178 e meio salário mínimo por mês poderia ingressar no Bolsa Família prontamente. Isso implicaria um aumento de outros 40% a 50% do orçamento do Bolsa Família, ainda na hipótese de não haver aumento no valor dos benefícios.

Orçamento mais restrito

Os inúmeros exercícios possíveis feitos pelo nosso time de Macroeconomia para mudar o Bolsa Família ou criar outro programa de renda confrontam-se com o impacto da inflação de 2020 no espaço orçamentário de 2021. A aceleração da inflação no segundo semestre de 2020 aumenta a pressão sobre as despesas não obrigatórias do orçamento.

O Teto de Gastos estabelece que o orçamento total não pode crescer mais que o IPCA até julho do ano anterior (no caso atual, o IPCA no período foi de 2,1%), enquanto o piso da Previdência é corrigido pelo INPC dos 12 meses até dezembro, que está projetado em um valor maior, de 3,8%, devido ao aumento dos preços alimentícios e de outros itens de peso na cesta da população de baixa renda que forma esse índice.

Sendo assim, nossos especialistas revelam que o gasto com a previdência em 2020 deve estar entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões acima do projetado no projeto de lei orçamentária anual, o que levará a corte equivalente de outras despesas discricionárias, entre as quais se encontra aquelas relacionadas ao Bolsa Família.

Assim, as aspirações de aumento das transferências às famílias, ainda que moderadas, deverão competir com outros gastos. O mesmo vale para discussões mais ambiciosas que mirem a reformulação da rede de proteção do trabalhador de baixa renda, com a criação, por exemplo, de um fundo precaucional pago pelo governo para amortizar variações da renda do trabalho das famílias mais pobres e na informalidade, como proposto por alguns economistas.

A resolução das expectativas em relação a um eventual programa de transferência de renda para os mais pobres, ainda segundo nossos especialistas, adquire urgência pela incerteza fiscal que a atual ambiguidade pode criar, trazendo o risco do atual impulso de retomada da economia vir a se dissipar por conta dessa incerteza.

Com a proximidade do fim do auxilio emergencial, cuja última parcela será paga em dezembro desse ano, a confiança do consumidor e o apetite dos investidores poderão ser negativamente afetados, até pelo pouco tempo que será deixado para o governo e o Congresso votarem o orçamento de 2021.

Para alguns membros dos círculos legislativos, essa situação aumenta a urgência e oportunidade da discussão de medidas para reduzir o gasto com a folha de pagamento dos funcionários do Executivo Federal, mediante uma reforma constitucional ou pela votação de algumas medidas infraconstitucionais já existentes no Congresso Nacional.