Temos acompanhado indicadores econômicos que sinalizam para a recuperação na economia. Nos últimos dias, conhecemos mais um importante indicador para esta análise: a produção industrial brasileira de dezembro, que apresentou o oitavo mês de crescimento consecutivo.

Os dados do IBGE indicam alta mensal de 0,9% em dezembro, na série ajustada sazonalmente, bem acima da mediana das projeções do mercado (-0,5%) e também acima da nossa projeção (+0,3%).

Com isso, a produção industrial doméstica encontra-se 4,5% acima do observado no último trimestre de 2019, e aproxima-se dos valores na primeira metade da década passada, durante seu apogeu apoiada por crédito público farto.

A velocidade e intensidade da recuperação da produção industrial são surpreendentes. A contração de 4,5% em 2020, comparado a 2019, se deu com um vale no meio do ano e um crescimento na parte final do ano, que levou a atividade no final de 2020 a um nível tal (8,3% maior do que em dezembro de 2019) que, se mantido ao longo de 2021, o crescimento no ano corrente seria de 10,0% em relação a 2020.

Não é provável que todo esse 'embalo' possa ser sustentado ao longo do ano, mas ainda assim é provável que, média contra média, a produção industrial cresça tanto em relação a 2020 quanto em relação a 2019, mesmo que o primeiro trimestre apresente desafios por conta do recrudescimento da Covid-19.

Cabe lembrar a esse respeito que a produção industrial na Europa continua forte na atual virada de ano, apesar da intensificação do distanciamento social a partir de novembro passado como resposta ao recrudescimento da Covid-19 no velho continente. Também cabe lembrar que, com as grandes vendas dos últimos meses, deverá haver alguma reposição de estoques, o que deve manter parte da demanda por bens industrializados, especialmente de consumo.

Destaques da indústria

As categorias da produção industrial associadas a investimentos mostraram desempenho extraordinário. A produção de 'Bens de Capital' e 'Insumos Típicos da Construção Civil' subiram 2,4% e 1,3% na margem, em dezembro, e 35,4% e 20,5% na comparação com 12 meses antes.

Com isso, nosso indicador para a estimativa de investimentos no PIB subiu 4,3% na variação mensal e fechou o 4º trimestre do ano passado 3,6% acima do mesmo período de 2019.

Comércio e serviços

Nossas projeções para as vendas varejistas e para o volume de serviços prestados em dezembro de 2020, que serão divulgadas nesta semana, também apontam crescimento.

Estimamos que as vendas do varejo restrito registrem crescimento marginal de 0,5%, enquanto as vendas do varejo ampliado, que também contemplam as vendas de materiais de construção, veículos, partes e peças automotivas, cresçam 0,3%. Já em relação ao setor de serviços, o mais afetado pela crise da Covid-19, projetamos alta de 1,0% na mesma base de comparação.

Possível revisão no PIB

Em suma, os dados de atividade até final do ano passado seguem bastante positivos, o que poderá nos levar a rever nossa estimativa da variação do PIB em 2020, atualmente projetada em uma retração de 4,1%.

Bons indicadores de atividade nesta semana podem levar a contração do PIB a muito próximo de 4,0%, o que acarretaria em um carregamento estatístico ainda maior do que os 3,6% implícitos em nosso cenário base.

Caso este cenário se confirme, o Brasil terá uma das mais rápidas recuperações pós-choque inicial da crise do Covid-19 no mundo.

Entretanto, não devemos perder de vista que o nível do PIB brasileiro pré-pandemia era baixo, e que foram injetados perto de R$ 1 trilhão de recursos públicos (estímulos) na economia em 2020.

Cenário incerto

Neste contexto, apesar da bela imagem da atividade econômica em nosso retrovisor, há alguma névoa ao se olhar para frente.

A evolução da pandemia ainda é incerta, apesar da aparente efetividade das vacinas e da aceleração da sua aplicação em mais de 2 milhões de pessoas.

Cerca de 55% dos óbitos por Covid-19 estão entre as pessoas com mais de 70 anos de idade, que correspondem a 8% da população (pouco mais de 15 milhões de pessoas). Isso significa que a vacinação desse grupo de alto risco, que se pode dar em menos de 1 mês, tenderia a aliviar os hospitais e cortar—com defasagem de algumas semanas—o número de óbitos totais, dando nova esperança quanto ao segundo trimestre.

Mas esse cenário está longe de ser garantido. A carta de boas intenções do Congresso, apresentada após a eleição das lideranças das duas casas, traz alguma sinalização de apoio à agenda reformista, por exemplo, mas também inclui menção a mais gastos públicos em resposta ao recrudescimento da pandemia, e precisará se traduzir em ações concretas para dar confiança mais robusta aos mercados.

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A queda dos indicadores de confiança em muitos setores observada em janeiro corrobora a cautela dos empresários e pode se traduzir na dissipação do impulso fiscal e monetário dado à economia em 2020.

Essa cautela pode se traduzir em letargia no investimento. A taxa de investimento no Brasil vem estando em média entre 18% e 19% desde 2015, ou seja, em nível frequentemente visto como insuficiente para repor a depreciação dos bens de capital, e em contraste com os 24% encontrados em outros países emergentes.

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Para haver crescimento sustentado no Brasil é necessário, assim, aumento significativo e sustentado da taxa de investimentos, o que ainda não é discernível, apesar do bom desempenho da indústria de bens de capital em 2020.

A dissipação do impulso dado à economia no ano passado teria repercussões persistentes e negativas sobre a dívida pública e o desemprego estrutural, que podem se traduzir em juros de equilíbrio mais altos e menor PIB potencial.

Ou seja, as próximas semanas serão decisivas para o curto, médio e longo prazo, sendo primordial que se acelere a vacinação e se diagnostique com clareza o impacto da Covid-19 sobre a economia e as condições de vida das pessoas mais vulneráveis para que o governo desenhe e implemente resposta adequadas e compatíveis com o bom funcionamento da economia no período pós-Covid.

O que esperar da vacinação

O número de vacinas para distribuição no Brasil tem crescido, abrindo a possibilidade da vacinação dos 15 milhões de idosos acima de 70 anos nas próximas 4-6 semanas.

A vacinação contra a Covid-19 iniciou-se no Brasil no dia 17 de janeiro com a aplicação da Coronavac. A partir daí distribuíram-se cerca de 8 milhões de doses (6 milhões da Coronavac e 2 milhões da vacina de Oxford).

Mais recentemente noticiou-se que mais doses estariam a caminho, além de insumos da China para a produção de mais doses da Coronavac, que também estariam chegando, o que pode elevar o número de doses disponíveis para 50 milhões até o final de março.

Com o material de vacinas já no Brasil, todos os idosos acima de 70 anos poderiam ser vacinados em poucas semanas. Há cerca de 8 milhões de doses já distribuídas para serem aplicadas. Além disso, há poucos dias chegaram 5,4 mil litros de insumos da China, e outros 5,6 mil litros são esperados para breve, permitindo a produção de cerca de 8,5 e 8,7 milhões de doses de Coronavac, respectivamente.

Essas vacinas poderiam ser distribuídas ainda em fevereiro ou início de março. Aproximadamente 28 milhões de doses de Coronavac estariam disponíveis até meados de março, permitindo que 14 milhões de pessoas já possam ter recebido duas doses até lá.

A vacina de Oxford/AstraZeneca tem um calendário mais complexo, mas com boas expectativas. O país já recebeu 2 milhões de doses iniciais, mas ainda não há uma data para recebimento de 10 milhões de doses que estariam para serem recebidas na primeira quinzena de fevereiro.

Outras 14 milhões de doses deverão ainda ser disponibilizadas pelo consórcio Covax Facility nas próximas semanas, ficando disponíveis para serem aplicadas a partir de março.

Com isso haveria outras 26 milhões de doses, suficiente para vacinarmos 13 milhões de pessoas, o que poderia cobrir a população entre 60 e 70 anos. Juntando tudo, 12,8% da população brasileira poderia ser alcançada até meados de março, cobrindo a população de maior risco.

A aplicação de 54 milhões de doses das diversas vacinas poderá ter grande impacto sobre o comportamento da pandemia e da economia brasileira no primeiro trimestre de 2021.

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Considerando a distribuição etária da população, caso os mais velhos tenham prioridade (depois dos trabalhadores da linha de frente da saúde), seria possível vacinar toda a população acima de 70 anos de idade em poucas semanas.

Esse grupo, equivalente a apenas 7,0% da população, mas tem correspondido por cerca de 55% dos óbitos de Covid-19 no país.

A vacinação dessa população deve levar a uma redução das mortes por Covid-19 com uma defasagem de semanas, até haver queda do número de novos casos, e as pessoas atualmente hospitalizadas se recuperarem ou irem a óbito, sendo a segunda opção infelizmente muito frequente, especialmente entre os que chegam a ser entubados (80% de óbito).

Essa queda de óbitos deve, portanto, se dar a partir de meado de março, tornando-se mais visível em abril, a não ser que surja uma nova cepa extremamente contagiosa e resistente às vacinas.

No caso de Israel, a queda no número de óbitos deu-se quase 6 semanas depois do início da vacinação, quando quase metade de população já estava vacinada. Mas ela pode ser observada com proporções mais baixas da população vacinada, se os mais velhos tiverem prioridade.