Na semana passada o Banco Central divulgou a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), quando manteve a  taxa Selic em 2,00% ao ano, mas encerrou a “prescrição futura” (forward guidance). A prescrição futura era uma sinalização adotada em seus comunicados de que os juros seguiriam inalterados.  

A decisão sobre a mudança na comunicação foi explicada pela queda de uma das cláusulas do “contrato” do Banco Central com a sociedade, como a aproximação das expectativas de inflação à meta de 2021. Nosso time de Macroeconomia, no entanto, avalia que a incerteza fiscal pode também ter influenciado na mudança, já que a retirada da prescrição futura deixa o Comitê com maior grau de liberdade nas próximas reuniões.

Diante do novo cenário, nosso time de Macroeconomia projeta que o Banco Central irá antecipar o início do aumento dos juros e levar a taxa Selic a 3,75% ao ano até o final de 2021, se a recuperação econômica se sustentar. O balanço de riscos sugere que a primeira alta da Selic se dê em maio, no valor de 0,25 ponto percentual.

Nas reuniões seguintes, projetamos mais um aumento de 0,25 p.p., seguidos de mais dois aumentos de 0,50 p.p. e uma desaceleração para 0,25 p.p. já no quarto trimestre, chegando aos 3,75% ao ano.

Esse cenário poderia ser antecipado para março, se houver risco fiscal acentuado, ou postergado para depois de maio, caso a ociosidade na economia se mostre maior do que atualmente projetada, ou haja pressões estruturais baixistas na inflação.

O debate no Copom

Segundo nossos especialistas, a retomada da economia nos meses recentes parece trazer novas dimensões para o debate entre membros do Copom. A ata explicitou dissenso entre os membros do Comitê ao observar que “em particular, alguns membros questionaram se ainda seria adequado manter o grau de estímulo extraordinariamente elevado, frente à normalização do funcionamento da economia observada nos últimos meses”.

Em seu comunicado, o Copom lembrou que “desde a reunião do Copom de maio de 2020, quando se passou a caracterizar o grau de estímulo monetário desejado como ‘extraordinário’, observou-se a inversão do choque desinflacionário ocorrido nos primeiros meses do ano, a reversão da trajetória de queda das expectativas de inflação e a redução da ociosidade econômica, aproximando a projeção do cenário básico da meta de inflação no horizonte relevante”.

Consequentemente, esses membros do Copom julgaram que o Copom deveria considerar o início de um processo de normalização parcial, reduzindo o grau “extraordinário” dos estímulos monetários.

Nosso time de Macroeconomia avalia que essas observações são todas factualmente corretas, ainda que haja bastante incerteza sobre o desempenho da economia nos próximos meses, com a possibilidade de uma contração econômica caso a pandemia se prolongue ou piore.

Assim, a mensagem soou como dura (hawkish), prenunciando a possibilidade de uma iminente alta dos juros.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, no entanto, observou em interações recentes com analistas que, embora no passado esses dissensos pudessem ter sido utilizados para comunicar alguma mudança iminente de rumo, a intenção do Comitê foi dar mais transparência à discussão. Isso pode sugerir que não é automático que a maioria do Copom venha a compartilhar da análise e do curso de ação sugerido.

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O Copom ainda reconheceu o alto nível de incerteza e sinaliza que suas ações dependerão das circunstâncias (“data dependent”). Há fatores que poderiam levar o comitê a subir os juros mais rapidamente em uma das três reuniões programadas para o primeiro semestre de 2021.

Entre esses fatores, destaca-se uma eventual deterioração fiscal que ponha em risco a credibilidade do Teto do Gasto ainda no primeiro trimestre e traga maior preocupação aos financiadores da dívida pública.

Outro fator pode ser a percepção de que, caso o ressurgimento da Covid-19 não leve à forte piora da economia, o hiato do produto pode estar se fechando mais rápido do que previsto, apontando a conveniência de uma política monetária menos expansionista, que reverta os estímulos “extraordinários”, mas se mantenha ainda longe de uma taxa de juros neutra.

Por fim, o entendimento de que os juros reais negativos possam criar riscos assimétricos em relação ao câmbio também incentivaria o Copom a acelerar o início do aumento dos juros de curto prazo, se isso facilitasse a redução da inclinação da curva de rendimentos dos títulos públicos, além de amortecer o impacto da persistente alta dos preços internacionais das commodities.

Inflação

A normalização da política monetária também procura lidar com a persistência dos aumentos de preços, capturados no primeiro IPCA-15 do ano.

O IPCA-15 de janeiro registrou alta de 0,78%, abaixo da expectativa de mercado e de nossa projeção (0,82% e 0,83%, respectivamente). Apesar da surpresa baixista no índice, a abertura, com os detalhes da composição da inflação, foi levemente pior, em que serviços e preços na indústria tiveram altas mais elevadas que o projetado, elevando consequentemente os núcleos da inflação, medida usada para excluir da conta itens mais voláteis.

Dos nove grupos de produtos e serviços pesquisados, oito apresentaram alta em janeiro. O maior impacto (0,32 p.p.) veio de Alimentação e bebidas (1,53%), que desacelerou em relação ao resultado de dezembro (2,00%). A expectativa do nosso time de Macroeconomia é que o grupo permaneça pressionado na variação do IPCA de janeiro, mas desacelere a partir de fevereiro, segundo coletas de preços no atacado e varejo têm indicado.

Além disso, nossos especialistas enxergam que os núcleos estão apenas temporariamente elevados, e que devem iniciar tendência de desaceleração ainda no primeiro trimestre. Nossa projeção para inflação do ano permanece em 3,4%.

Riscos para o crescimento

Os riscos para a continuidade do crescimento não podem ser descartados, como o Copom notou em seu comunicado. A última ata notou que “o Comitê ponderou que os riscos associados tanto à evolução da pandemia como ao esperado arrefecimento dos efeitos dos auxílios emergenciais podem implicar um cenário doméstico caracterizado por mais gradualismo ou até uma reversão temporária da retomada econômica”.

Com a possibilidade de uma pequena contração da atividade no primeiro trimestre de 2021, que não seja totalmente compensada nos trimestres seguintes, nosso time de Macroeconomia decidiu reduzir nossa projeção do PIB de 4,2% para 4,0% em 2021.

Eleição no Congresso

A eleição das mesas diretoras das casas legislativas nacionais deve trazer mais clareza às projeções de crescimento e aos cenários a ser enfrentados pela política monetária. Nossa equipe de Macroeconomia lembra que há uma grande lista de reformas a serem decididas pelo Congresso Nacional nos próximos meses, começando por inúmeras reformas microeconômicas, como a Lei do Gás, a complexos temas macroeconômicos, como a PEC do Gatilho, que aguarda decisão.

Há ainda a reforma tributária, cuja votação poderia simplificar os impostos indiretos, estimulando o investimento e o crescimento econômico, a independência do Banco Central, além das hipóteses de uma nova CPMF ou reformas no mercado do trabalho com vistas a criar alternativas mais ou menos estruturadas à CLT para tentar lidar com o desafio do emprego informal.