Os últimos dias reservaram acontecimentos importantes para algumas das principais variáveis macroeconômicas, com divulgações do IPCA de novembro e a decisão do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) sobre a taxa Selic. Com isso, nosso time de especialistas atualizou o cenário para inflação e juros e as perspectivas daqui pra frente. 

Nossos especialistas mantêm a expectativa de juros reais negativos ao longo de 2021, e lembram que o peso cada vez maior da projeção de inflação de 2022 nas decisões da autoridade monetária devem levar o Comitê de Política Monetária (Copom) a iniciar o processo de normalização da taxa Selic no segundo semestre do ano que vem.

Essa expectativa para os juros foi reforçada pelo comunicado divulgado após a reunião do Copom da semana passada, que sinalizou que o compromisso em manter a taxa de juros em 2,00% ao ano pode ser removido no curto prazo, pois as condições que o motivaram podem já não estarem tão presentes.

Essa mensagem está em linha com nossa visão sobre o cenário para a Selic em 2021, ainda que esse alerta tenha sido dado um pouco antes do que nosso time antecipava, isto é, após a virada do ano.

A retirada da prescrição futura, como ficou conhecida essa sinalização nos comunicados do Banco Central de que manteria os juros baixos por período prolongado, não implica prazo específico para aumento da taxa de juros, que se dará em função das condições em cada reunião do Copom e dos riscos para o atingimento das metas de inflação, especialmente de 2022.

Inflação em 2020

O IPCA de novembro registrou alta de 0,89%, 11 pontos-base acima da projeção do nosso time de Macroenomia e da mediana de mercado. Com esse resultado, a inflação acumulada em 12 meses passou de 3,92% para 4,31%.

Apesar do resultado acima do esperado, nossos especialistas afirmam que a composição foi relativamente benigna. As maiores surpresas vieram concentradas nos grupos “Alimentação e bebidas” e “Transportes”, nos quais tiveram significativa inflação em carnes e combustíveis de automóveis, respectivamente.

Nossa equipe de Macroeconomia afirma que nas últimas semanas os preços de tais itens já mostram desaceleração e até queda nas coletas de preços no atacado, o que sugere repasse para o consumidor final já no curto prazo.

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Ainda, o índice de difusão, que mede quantos bens e atividades aumentaram de preço dentro da cesta de itens avaliada, que permanece em patamar elevado, teve significativa queda no mês passado, recuando de 76,9% para 66,6%. A média dos núcleos, em outra leitura para identificar se o comportamento de alta nos preços é concentrando ou espalhado, veio em linha com nossa projeção (0,44%), registrando recuo em relação à variação em outubro (0,52%).

Nosso time de especialistas explica que diferença entre a variação acumulada em 12 meses do índice cheio da inflação e a média dos núcleos é de 1,6 ponto percentual, indicando que, apesar de certo contágio, grande parte da aceleração da inflação nos últimos meses advém de choques, e não de mudanças estruturais.

Dessa forma, nosso time incorporou a surpresa da divulgação de novembro, mas manteve a projeção de dezembro por uma alta de 1,30% na comparação com novembro, dado que os itens que surpreenderam em novembro apresentam perspectiva de queda no curto prazo. Assim, nossa projeção para o IPCA de 2020 passou de 4,4% para 4,5%.

Vale lembrar que a aceleração esperada no IPCA de dezembro deve-se principalmente à mudança do patamar da bandeira tarifária, de “verde” para “vermelha 2”.

Indefinições na inflação de 2021 

Para 2021 mantemos projeção inalterada em 3,2%, notando que o comportamento da inflação nos primeiros meses do próximo ano é bastante incerto.

Isso se deve em grande medida a uma indefinição sobre como serão computados o reajuste de planos de saúde referente a 2020, mas que foi postergado para 2021 por conta da pandemia, e as mudanças de bandeira tarifária. Caso esse reajuste seja diluído ao longo do ano (e não concentrado em janeiro) e, sendo as chuvas intensas em dezembro, a ativação da bandeira amarela (em lugar da vermelha) já ocorra em janeiro, essa inflação pode cair significativamente.

A inflação do primeiro trimestre também pode cair se a queda do preço de alimentos que vem ocorrendo no atacado for transmitida mais rapidamente do que projetado para o varejo, antecipando a queda da inflação que atualmente temos para o meio do ano.

As perspectivas da política monetária

Nosso time de Macroeconomia avalia que o comportamento mais benigno da inflação no curto prazo pode influenciar a decisão do Copom com relação ao momento ideal para a retirada da "prescrição futura" em sua comunicação, sem prejuízo do alerta trazido no comunicado da semana passada ou do início da normalização da taxa de juros ainda em 2021.

O alerta em relação à prescrição futura deu-se com o comunicado sublinhando que desde a implementação da prescrição futura (também conhecida como “forward guidance”, foi observada uma reversão na tendência de queda das expectativas de inflação, além de que o ano de 2022 ganhará mais relevância nas decisões dos próximos meses.

Com isso, o Copom afirmou que “a manutenção desse cenário de convergência da inflação sugere que, em breve, as condições para a manutenção do forward guidance podem não mais ser satisfeitas, o que não implica mecanicamente uma elevação da taxa de juros pois a conjuntura econômica continua a prescrever estímulo extraordinariamente elevado frente às incertezas quanto à evolução da atividade”.

A autoridade monetária ainda lembrou que em um cenário de retirada da prescrição futura, a “condução da política monetária seguirá o receituário do regime de metas para a inflação, baseado na análise da inflação prospectiva e de seu balanço de riscos”.

O comunicado também trouxe as projeções do próprio Copom. Elas indicam que, considerando um câmbio ligeiramente apreciado e a mediana da taxa de juros projetada pelo mercado – e por nós — de 3% ao ano para o fim de 2021, a inflação em 2022 estará bastante próxima da meta para o ano (3,4%, ante meta que será de 3,5%). E, mantida a atual taxa de 2% ao ano, o IPCA estaria um pouco acima da meta de inflação (4,0%), o que pode recomendar a normalização da política monetária em meados de 2021.

Cenários para prescrição futura

Em resumo, nossa equipe de Macroeconomia avalia que, especialmente no caso da inflação se abrandar no começo do ano, o Copom terá a possibilidade de manter a prescrição futura ainda na reunião de 19 e 20 de janeiro, deixando sua revogação para o final de março.

No caso de a economia desacelerar fortemente no começo do ano e isso não induzir uma contrapartida de gastos público que aponte para o fim do atual regime fiscal, a prescrição futura poderia ser mantida mesmo até o início do segundo trimestre.

A decisão do momento de retirada da prescrição futura dependerá da manutenção da perspectiva de recuperação relativamente rápida do mercado de trabalho que vem sendo assinalada.

Se essa recuperação do mercado de trabalho não for muito prejudica pelo aumento da covid-19 observado a partir de dezembro, e que pode persistir por prazo ainda indefinido, e a expectativa de vacinação universal se firmar, aumentando a confiança do consumidor e a "despoupança" dos recursos acumulados pelas famílias e empresas ao longo de 2020, a atividade econômica será fortalecida, mesmo com a retirada do auxílio emergencial.

Nesse caso, de retomada sem tropeços maiores, a retirada da prescrição poderá se dar ainda no primeiro trimestre de 2021, afirmam nossos especialistas, lembrando que o Copom ressalva que essa retirada não "implica mecanicamente uma elevação da taxa de juros". A elevação da taxa Selic se daria, nesse cenário, em meados do ano, com a taxa de juros em 3,00% ao final de 2021.

Projeção Safra

Nesta terça-feira, 15, mais uma vez o Copom repetiu em sua ata que "alterações de política fiscal que afetem a trajetória da dívida pública ou comprometam a âncora fiscal motivariam uma reavaliação, mesmo que o teto dos gastos ainda esteja nominalmente mantido", caindo assim um dos condicionantes para a manutenção da prescrição futura, o que deveria levar a uma mudança na comunicação.

Além disso, os membros do Copom discutiram as duas outras cláusula da prescrição futura: a convergência das expectativas e das projeções de inflação para a meta. "Na avaliação do Copom, essa convergência pode ocorrer por duas razões: pela elevação das expectativas e projeções para 2021; e pela mudança do horizonte, com aumento do peso relativo do ano-calendário 2022, para o qual as expectativas e projeções estão, no momento, suficientemente próximas da meta". Por fim, eles reforçam que a retirada da prescrição futura não implica elevação imediata do juro.

Após a divulgação da ata do Copom, nesta terça-feira, nosso time de Macroeconomia reforçou que o tom utilizado na ata reforça nossa expectativa de manutenção da prescrição futura em janeiro.

Para nossos especialistas, além da incerteza sobre o ritmo de recuperação da economia frente à pandemia e ao fim do auxílio emergencial, a descompressão da inflação de curto prazo deverá dar conforto para a autoridade monetária manter a prescrição futura por mais tempo

Para nossos especialistas, possivelmente esse movimento de retirada da prescrição futura será feito em março ou no terceiro trimestre, quando o foco maior estará na inflação de 2022. Desse modo, mantemos nossa projeção de Selic a 3% ao ano no final de 2021.